terça-feira, 29 de abril de 2008

Samba sã

A sensação
A sensação
A sensação
Essa benção

Essa bessa
Essa bessa
Essa bessa
Extra-versa

E samba sã
E samba sã
E samba sã
E dança são

Está massa
Está massa
Está massa
Esta maçã

Do sambassim
Do sambassim
Do sambassim
Dissonante

Deixa estar
Deixa estar
Deixa estar
Iça-içar

Pra que razão
Pra que razão
Pra que razão
Pra essa pressa

Venta venta venta
Venta venta venta
Venta venta venta
Sai tão depressa

Mais há de ser
Mais há de ser
Mais há de ser
De bom benzer

De céu ou sul
De céu ou sul
De céu ou sul
Do sol ouço

É som de sorte
É som de sorte
É som de sorte
E salve salve

Em só em si
Em só em si
Em só em si
Pirlimpimpim

Vem saravá
Vem saravá
Vem saravá
Logo dragar

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Som do alvorecer


O flautista flerta com a flauta
Encaixa sua boca na boca dela
A conduz por entre as mesas
Como se fora uma graciosa dama

Segue soprando-a de olhos fechados
Os dois num beijo interminável
E a melodia que a flauta transversa
Enamora os demais casais do baile

O flautista tornou-se passarinho
A flauta deixou-se passarinhar
Formam uma simbiose inigualável
O homem faz amor com a máquina

Cada nota leva em si um tanto de mel
O flauteado musica as vivas áureas
Que aderem a este adocicado enlace
Do flautista e sua flauta mágica

Caruru do Amanhã

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Meu jeito

Quando contemplo faço poema
Em meu pensamento
Sinto as nuances
O movimento
A analogia
O cheiro
O som
A dor
O ar
E
Somo
Enriqueço
Racionalizo
Busco expandir
Mudar os conceitos
Encontrar minha maneira
Atravesso idéias até ressoar
Tocar-me, de modo espontâneo
Ficar inteligível, harmônio, bonito

Tanto faz

O cão se abriga sob o carro
O pombo domina a fachada
O esgoto é habitat do rato
Não sei dos peixes
Existem peixes nas cidades?
Há vermes em todos
Onde está o homem?
Atrás das grades, dos muros
No alto, bastante alto
Fugindo dele
De si e dos outros
Homem, homem do homem
Homem do resto do mundo
Não chame um homem de animal
Será um desrespeito com os bichos
Não o chame de monstro, soará fantasioso
Os parasitas não têm sua maldade
O demônio não tem seu poder de destruição
Simplesmente Homem, com “h” maiúsculo
Como ele gosta de ser chamado
Como um ser grande, temível
E tenha medo mesmo, inclusive de mim
Tenha medo de você
Carregamos o mesmo caos interior
Venha da vida passada
Ou venha da herança genética
O Homem é Homem (mau, nocivo, egoísta)
E não há possibilidade de cura
Cairemos no Apocalipse
No extermínio do planeta
Cedo ou tarde
E àquele que sobrar, eu digo:
Se mate!

Bexiga cheia

A luminosidade do banheiro
Deixa no ar uma divindade momentânea
Foi dia em plena noite
Não estou mais ali
A urina cai no chão
E nem me importo
Mas há um parafuso enferrujado
Torcido
Sobre o reservatório de água
Ele me diz onde estou
Abafa minha onda
Esqueço da paz e me lembro...
Banheiro de chão imundo
No fim do corredor escuro
De um bar na Ondina
Em uma rua sem saída
Descarga
Passo em branco pela pia
Cruzo o vão mal iluminado
Desvio dos engradados vazios
Deparo-me com aquelas figuras
Nada me dizem
Mas a conversa delas deflagra em mim um asco
Como pessoas podem ser tão vazias
Caracóis que sobem por subir
Instinto de carrapato
Já não sei ser povão
O povão me agridi
Pago minha conta
A loira fica de saque
Pena eu não ter certeza sobre seu sexo
Manobro o carro

Vivo personagens

Agradei mulheres
Pela beleza
Quando não tinha conteúdo
Figuras de menor interesse
Doidas para me comer calado

Agrado mulheres
Pela palavra
Quando não tenho aparência
Mulheres de maior interesse
Doidas para me comer em voz alta

Irmãs na sinfonia
São estas duas
Leve no sopro
Segura nas cordas
A voar por instantes
A dedilhar por horas
Sendo eu instrumento
Objeto decorativo
Interlocutor retórico

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Nosferatu

Inversão térmica
Dentes no pescoço
Desmatamento

Vampiriza
Castelo tenebroso
Lava descendo

Senhor do baixio
Onde a rama é mole
Vírus letal

Ditadura Militar
Quer sangue
Fósforo branco

Pai patrão
Agricultura extensiva
Lavagem e açoite

Quem resiste?
Quem enfrenta?
Quem combate?

"Z"
Campus
Sebo

Célula jovem
Instinto de mais
Patuá

Cor viva
Couro de sapo
Coquetel molotov

Mãos em brasa
Sol do meio-dia
Maré enchendo

Vampirizar?
Aqui?
Tá doido?

terça-feira, 22 de abril de 2008

houve, há, haverá

Há coisas que não quero ver
Pela força luminosa de seus raios
Sobre minha consciência jovem
Seja luz boa
Seja luz seca
Fico doido, tomado, obsessivo
Preciso curar-me
E a outras luzes me dirigir
Na vã troca de enfoque, pós-choque
Para não cansar as vistas
Afastarei da memória
Aquele acre luminoso que se irradia

É o caso da luz daquela moça
A qual meu sentimento afeiçoou-se
Refletindo nas atitudes dia-a-dia
Fico rem fico foz fico cheio
Só me resta pensar noutras
De menor afeto e sabor
Esmiuçando qualidades desejáveis
Tentando não querê-la tão exageradamente ...

Outro caso é luz dos olhos daquela criança
Que enfurece meu discernimento e o seu
Opaco, mirando o seu cachimbo sujo
Me devora e o devora
Caio em cheio neste poema
Para trabalhar estas coisas que me consomem
Questões de luz, questões de vida
Acalmo minha manhã luminosa
Celebro com o mundo o ardor da luz

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Virtua

Em casa
A pessoa em si
Deseja sair
Do campo das idéias
Conversar um pouco
Ver gente
Aquela gente

Assumi uma identidade
Arrisca-se no mundo
Percorre salas
Ela navega
Virtua
Não tão bem

Reúne-se com
Sem se ver
Sem se tocar?!
Apenas conversar
Apenas extravasar
O querer da ponta dos dedos

Inevitavelmente fala-se sexo
Tudo é sexo
Especialmente em casa
E a palavra vira ato
Fato próprio
Desconexão

Pessoa com medo da rua
Receio da chuva
Do todo perigoso
Melhor ficar a só
A salvo do salto
Da fruição

Pessoas tão boas
Nunca se conhecerão
Realmente
Ao ponto de se reconciliarem
No mínimo se comunicam

Seria ótimo ouvi-lo(a) ler

domingo, 20 de abril de 2008

Ambíguo

duas moedas unidas num elo
De mesma cara
olhando prum lado
De olho no outro
na travessia da rua
Dobrada na esquerda
da direita seguinte
Pegar a mais certa
Égua louca
aquele xoto
Adoro coxa de galinha
bicho fera
De longe a bondade
mais perto é Ante
Onde mora?
Embaixo de um dos copos
Supostamente
sinto cócegas
Som do violino e da rabeca
Frô da caatinga
Relaxar na praia?
verão!

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Transpor

Um rapaz pede a atenção do ônibus
Diz ser flautista
Precisar muito de dinheiro
Precisar pagar o aluguel atrasado
Ser de uma família humilde do interior
Em seguida leva a flauta á boca
E toca belissimamente
Não lembro a música
Sei que era divina
Troca de flauta
Executa outra canção
Bela quão a primeira
A apresentação leva poucos minutos
Sai recolhendo o dinheiro
Duas pessoas o ajudam
Tão sem dinheiro quanto ele
Eu continuo sem nenhum
Infelizmente não posso ajudá-lo
Uma Senhorinha da frente pede que ele toque de novo
O rapaz se alegra e executa outra canção
O ônibus observa atentamente
A flauta é doce e leve
Chegou meu ponto
O flautista desce no mesmo
Não poderia perder a oportunidade de conversar-lhe
Pergunto por que optou pela flauta
Diz ter optado porque seu pai é flautista

Em frente ao Fórum Ruy Barbosa, antes de São Miguel


O viciado me pede 50 centavos
Diz haver perdido o seu vale-transporte
Diz estar voltando de um tratamento dentário
Olho seus dentes escuros, sujos e corroídos pela pedra

Digo estar sem nenhum
Ele me pede 25 ou qualquer 10 centavos
Ratifico minha pão-durice
Diz, manhosamente, não ter como voltar para casa

Então lhe ofereço uma carona
Ele franze a testa, pára, pensa um pouco
Diz morar longe pra caralho, agradece e sai
Aborda um Coroa metros depois

Passam-se 5 minutos, chega a viciada
Adolescente, me chama de irmão
Diz estar grávida e morrendo de fome
Expõe a barriga inchada e cheia de cicatrizes

Digo estar sem nenhum
Ela diz que Deus me dará em dobro
Explico-lhe que não tenho mesmo
Se tivesse daria com satisfação

Pergunto com quantos meses o bebê está
Responde 3, diz ser o segundo
O primeiro ela abortou, pergunto sua idade
Ela responde 16 e corre para abordar uma Senhora

Mediático

Morre a garotinha de classe média
Estrangulada, atirada pela janela
Executada a sangue frio, obra do cão
A sociedade se enfurece, pede justiça

Morre o menino favelado, classe baixa
Alvejado por 12 tiros, por demais medonho
Dívida de drogas, começo e fim prematuro
A sociedade nem tchum, acontece direto

Estamos acostumados a matar o preto
A pisar o pobre, ver sua desgraça e comer
O fodido e sua miséria residem no escuro
Pobreza não ouriça o intere$$e da mídia
Que, por sua vez, não ateia fogo na sociedade

Mas o assassinato da pequenina branquinha
De família abastada e tão indefesa
Tem um ingrediente a mais, é inusitado
Não se vê todo dia pai rico matando filha
Não se vê todo dia jogarem alguém pela janela

No fim das contas, não importa quem morreu
Quem matou, quem será encarcerado
Importa o dinheiro, rio que carrega o mundo
Quanto mais se fala mais se quer ouvir
Quanto mais se tem mais se quer ganhar
E nossa imprensa mostra sua cara suja
Faz desse horror um espetáculo torpe
E faz doutra tropeza algo insignificante

Assim assim, pois pois

Sou típico amante cínico
Apaixono e desapaixono assim
No cair da estrela
No rastro do perfume
No secar do esmalte

Elas exercem domínio sobre mim
E por várias sucumbe meu querer
Numa correnteza infinita
Constantemente desviada
Por outra mais caudalosa
Por outra mais vistosa

E são tantas as belezas encantadas
Desde mariposas até ciganas
Que perco os sentidos, caio de cama
Fantasio o resto de nossa vida
Apaixono-me de forma gigantesca

Vez em quando
Numa lua cheia
Num canto da mata
Quando as feras vão à valsa
Dou a sorte de ser querer duma delas

E fico sob seu comando
Cheira e observa e morde
Moderna agrada ficar por cima
E amo-a durante todo o tempo
Tanto que nem mensuro quanto

Desse jeito tornei-me descarado
Pouco a pouco, beijo a beijo
Metro a metro deixei-me afogar
Na malícia e no prazer do leito

Agora estou novamente apaixonado
Atado pelo peito, em campana
Devasso, apaixonado
Mas esta não irá tão cedo
Possui um segredo, um relicário

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Desculpe-me Morena

Um mergulho na piscina,
A princípio inocente,
Conhecer uma linda menina,
De sorriso bem atraente.

Cabelos e olhos negros,
Pele branca e macia,
Uma beleza incomum,
Vinda do interior da bahia.

Jeito meigo, um pouco tímido,
Voz mansa, doce como mel,
Tendo a sua companhia,
Homem mulherengo vira fiel,
Chegando até o ponto,
De pôr no dedo um anel.

Rapaz comprometido, entretanto curioso,
Resistir a ela não é possível,
Tenta segurar a rédea,
Mas seu desejo é visível,
Sabia ele que aquele beijo,
Seria inesquecível.

Mas dessa vez algo triste aconteceu,
A patroa (naquele tempo) descobriu,
O flagrante aconteceu,
Não sei como ela nos viu.

A linda morena que conheci,
Seu coração já machuquei,
Essa não foi minha intenção,
Incômoda é a situação,
Em que a coloquei.

Mágoa, angústia, ansiedade,
Por dentro sensação de vazio,
Sentimento de subtração,
Todo aquele encanto, sumiu.

Me perdoa?
vou tentar!
Por favor,
Não quis te machucar.

Depois do ocorrido,
Mesmo sem tê-la ao meu lado,
Sabia que tudo aquilo,
Não havia de ter acabado,
Um carinho especial por ela,
O meu coração tinha despertado,
Mas não conseguia sentí-lo,
Pois estava bem guardado.

Agora mais nada posso fazer,
E o que irá acontecer,
Só Deus poderá dizer,
Espero que não por linhas tortas,
Para que o percurso seja breve,
Queria poder reencontrá-la,
E deixar que ela me leve.

Toco uma música na viola,
Apenas para recordar,
Do tempo que se passou,
E que não irá voltar,
Mais na frente eu espero,
Um dia novamente te beijar.

Passaram-se 5 anos,
Cada um no seu caminho,
Mal sabia que um dia,
Ainda ficaríamos juntinhos.

Reencontro inesperado,
À tona veio o arrepio,
Um gole na cerveja,
Na barriga sinto frio,
Vontade de abraçá-la,
Tocar seus lábios macios.

Dançamos mais um forró,
Soados de tanto calor,
Recordo-me do nosso primeiro beijo,
Do seu delicioso sabor,
Hoje sou mais maduro,
Aprendi a lhe dar valor.

O senhor do tempo foi generoso,
A beleza da linda morena não esmaeceu,
Lhe dei um beijo bemmm gostoso,
E aquele sentimento reacendeu,
Um cinema logo um dia depois,
Foi o que aconteceu.

Colocamos os assuntos em dia,
Nos beijamos no escuro,
No cine a sala vazia,
No seu abraço sinto-me seguro.

Neste momento, paro, penso,
Na cabeça só asneira,
O que ela deve ta pensando!?
Gostou de ser minha companheira?
Será que fui bem?
Ou só falei besteira?

Um dia após já estou escrevendo,
Parece-me papel de babaca,
Só quero pôr pra fora,
Emaranhar-me nos meus versos,
Já que hoje, nenhum telefonema,
O jeito é ficar lembrando,
Daquele dia no cinema,
Mais uma vez te peço,

Desculpe-me morena!

(Caio Mattos)

Pergunto

Quem é você
sem
sua casa
seu carro
suas jóias
suas roupas
sua maquiagem
?
Talvez o fenecer
Amargurando a falta do universo
Da bela aparência e do brilho

Quem é você
sem
seus amigos
seus livros
seu amor
sua voz
seu Eu
?
Talvez o nada
Ou talvez seja apenas o universo
A couraça que te envolve

Tatoo

Esta tatuagem que adorna meu corpo
É uma era reduzida à gravura carnal
Composta pelos dizeres que levarei pela vida
Representando o melhor de mim e do mal
Figura concebida nas dores de um parto
Será sempre fértil em tuas cores vivas
Clareando os caminhos e as decisões
Que a cada dia responderei com boas-vindas

Marca da expressão


Está sempre a sorrir
Sorriso sob o nariz arrebitado
Nem mais nem menos
Uma boneca, um convite

Sorriso que impressiona
Me segura feito mordida
Ato constante, característico
Mesmo manobrando o carro

Gostaria de tê-la
Companheira ou concubina
Sua energia far-me-ia florear
Seu sorriso faz-me seu

Imagino-a se despindo e sorrindo
Olhando e sorrindo
Transando e sorrindo
Sorririamos juntos

Não haveria melhor companhia
Sorrisos para os dias
Equação da paz interior
Boca milagrosa

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Arvoredo



Estamos perdidos
E somos poucos
O que parece ruim
É ruim
Mas achamos ótimo
Trilhar a busca
Autoconhecer-se
Cheios de referências
Sem objetivos
Repletos de não-querer
Tem alguém aí?
Pergunto-me eu
Pergunta-se um amigo
Estamos perdidos
Mas temos a busca
Transpor o oceano
Galgar o cume
Pular, afogar, nascer de novo
Apenas começamos
E começar é difícil
Ainda mais quando só
Por dentro
Estômago de galinha
Sem saber, temendo, querendo
Não somos perdidos
Estamos, estivemos
É o princípio
É importante estar perdido
Daqui partiremos
Olhos arregalados
Mãos suadas
Onde? Onde?
Chegaremos
Nem quando nem como
Perdidos
Estaremos lá

APalavra


Sombra da palavra
Fraca, batida
Coberta, encoberta
Urubu na sombra
Anti-reflexo

Contorno da palavra
Anti-idéia
Falar da sombra
Não dizer, desdizer
Falácia

Sombrear a palavra
Politicagem
Deturpar a linguagem
Furtar a palavra
Assombro

terça-feira, 15 de abril de 2008

Chapadas dos pulmões



O fogo conversa comigo
Aponta-me o caminho do mato
seco, seco, exíguo

A água conversa comigo
Aponta-me o caminho da cachoeira
bela, bela, abandonada

A terra conversa comigo
Aponta-me o caminho do planalto
vasto, vasto, profundo

O vento conversa comigo
Aponta-me o caminho da nuvem
Leve, leve, celeste

O homem conversa comigo
Aponta-me o caminho do ser
amplo, amplo, errado

Meu nome é ventania
Desço das altas nuvens
Passo por trás das cachoeiras
Corto as chapadas e os pulmões
E toco fogo no mato

Bagagem

Se todo espelho fosse dágua
adeus vaidade
Se toda luz fosse solar
adeus saudade
Não faltaria nada
a não ser maldade

Se o botequim fechar
é molecagem
Se tomar o instrumento
é sabotagem
Não restará nada
a não ser vadiagem

E no caminho para casa
Vamos sambando
E na porta lá de casa
Vou assobiando
Não resta mais nada
só ela esperando

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Suçuarana


Você é tão mais bonito quando dorme
De bruços, tomando conta da cama
Dando as mãos como bailarino russo

Tranqüilo, resignado em seu recato
Sussurra sua ciranda e me embala te olhar
Esquecido de mim e de todo desgaste

Se me amasse dormindo, nunca o acordaria
Ter-te-ia feito se tem uma flor de lótus
Quieto e quente, respirando meu desejo

Até que seu sono passe calmamente
E me olhe, suçuarana, eu sua presa
Estarei nua e você com cara de platéia

Chamada amor

No fundo do âmago
Há uma massa mole
Ardendo
Sob as pressões do dia
Imutável e insolúvel
Erupcia por gêiseres
Canais do afeto
Em resposta
À frustração
Ao sofrimento
À resposta
É núcleo
Hipocentro da vida
Não se apaga
Esvaísse aos poucos
Mas não finda
Acinzenta e rarefaz
Ainda há
Exercendo influência
Lenta e contínua
Atraindo-nos
Estremecendo-nos
Uns aos outros
Para que cresça
Reproduza
Amor chama do amor

contraste armado


)A Oscar Niemeyer(

A vida é um sopro
Não é meu Mestre?
E quantas obras são feitas
No correr desse vento
Filhos, cidades, universidades
Caminho coberto de inventos

Solto no ar da tempestade
Raiou, luziu, pensou
Aureado pela leveza da arte
Beleza do povo que a observa
Arquitetura, comuna, cultura
Desenha e segreda a imortalidade

Pois é meu velho
Você que sopra imaginação
Receba o sopro deste aplauso

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Preconceito cego

Em minha rua morava João
Era cego de nascença
Por isso desenvolveu desde cedo a audição
Surpreendia a todos com sua habilidade
Reconhecia o ônibus pelo som do freio
Reconhecia os carros pelo som do motor
Nunca errava, era impressionante
Além disso, era muito simpático
Extrovertido, era um ícone para garotada
Adorava conversar sobre futebol
E nós adorávamos explicar-lhe os lances
O modo como o pé bateu na bola
As jogadas que originaram os gols do Vitória
Ele se amarrava quando armávamos um baba
Morria de rir enquanto jogávamos
Participava ao seu modo
Demonstrava uma pureza até então desconhecida
Certa feita, não lembro exatamente a ocasião
Alguém comentou:
João é mais preto do que eu!
E João, instantaneamente, retrucou:
Eu não sou preto não! Eu sou branco!
A sua resposta fez com que ríssemos sem parar
Pensamos: esse cego é doido! Branco?!
E ele reiteirou sua afirmação, convicto
Fiquei pasmo, porque ele era negro
Filho de negros, sua avó era negra
E também pelo fato dele ser cego
Perguntei-me:
Que tipo de comentário é este?
Ele não sabia sua cor?
Não se aceitava negro?
O que ser negro representava para ele?
Alguém iludia o garoto cego?
Passados alguns dias, aquilo ainda me ocupava
João pensa ser branco!
Então tive uma idéia da origem do seu engano
Para João, deveria ser suficientemente difícil ser cego
Sofria discriminação, privações e limitações demais
Preferia, então, pensar ser branco
Já que estes, em sua cabeça,
São vistos com bons olhos

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Noção

Nosso pão,
Vossos pães!
Nossa mão,
Vossas mães!
Ópio e união,
Opiniões!
Casarão,
Caça rãs!
Ser mão,
Sermões!
Caminhão,
Caminho és
do caminhoneiro
no canto inteiro.

(pablo arruti)

Fiz

Respondo ao nada
Nada faça
Nada digo

Pergunto-me
O que faço
Faço arte
Faço vício

Fazer dinheiro
Faço nada
Faço caso
Feito filho

Fico feito
Faço farsa
Faço tempo
Fico alegre

Faço fim
Faço meio
Faço nada
Faço verso

Sol corrosivo


Da busca diária da água
No mês de dezembro
Gente muito humilde
Acompanhada de um jegue
Caminha à margem da estrada

Moringa na cabeça da mãe
Barris no lombo no animal
Garrafas nas mãos do menino
Panela nas braçinhos da filha

Água salobra
Que seca a boca
Água barrenta
Suja e fedorenta

A galinha bebe a água do ovo
Bebe o gato, o cão, o porco
O passarinho molha seu canto
A muda de laranja irriga as folhas
Lava-se a roupa coberta de pó
Prepara-se o alimento do dia
Toma-se banho antes de dormir

Mais forte que a seca
É a sede da caatinga
Que não respeita cor, gosto, cheiro, distância...

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Observoador

Este velho que todo dia vejo
Quando me dirijo ao trabalho
Tira a paz dos meus olhos
Silencia meu som

Cabelos grudados
Camadas de roupas imundas
Desnorteado pelo meio da rua
Esse o homem sou eu
É minha essa culpa

Suportar a responsabilidade
De curar toda humanidade
Não será tarefa minha
No entanto, me falta atitude
Pra ajudar somente um homem

Não me perdoe pobre senhor
Por não dar-lhe o dinheiro que trago
Uma palavra ou comida
Pois sou miserável
Desmereço sua misericórdia

Sou demagogo
Prego levianamente a caridade
Não dou sequer o primeiro passo
Enquanto falo de aflição
Incorro em fracasso

Eu uso óculos

Trago um par de óculos
Na altura dos meus olhos
Atrás de minha cabeça
Pairando surrealmente
Intangíveis

Objeto de longo alcance
Mesmo posterior aos olhos
Propicia a correção das vistas
Tornando o verde mais vivo
E o branco mais multicor

Você não vê
Meus óculos invisíveis
Pois só servem a mim
Eu que aperto meus olhos
Para fitar a paisagem

Os herdei de meu pai
Herança de minha avó
Desde que caíram no berço
Tornaram-se meus por direito
Brinquedo predileto

Faço excelente uso
Destas lentes corretivas
Principalmente nesta ode
De tema complexo
E difícil construção

terça-feira, 8 de abril de 2008

pobre executiva


Ela só precisa ser tocada
Para desabotoar seu afeto
E segui-lo pelas veredas
Feito girassol silvestre

Não se abre facilmente
Porque são poucos os arqueiros
Com pontaria nas palavras
E mel em suas flechadas

Ela quer ser lida
Abrir suas abas
Abrir as folhas vivas
Ocupar sua malícia
Salivar suas opiniões
Rir até cansar de gozo

Será livre de culpa
Quando possuir o elo
No qual seja liberta
Mão de sua mão
Boca de sua boca

Ela é boba
Ocupa-se de sua figura
Veste-se como homem
Para demonstrar seriedade
Oh vida covarde
Deixe-a nua
Como gosta de estar

Inocência de uma criança

Pés descalços, pisar a fofa grama.
Um cochilo profundo embaixo da macieira,
Um cenário onde a imaginação alcança,
Recordações de uma linda infância.

Serenidade através dos pássaros,
Suavidade corre no leito do rio,
O contraste das folhas caindo,
Distantes de um mundo hostil.

Ingênuo por natureza,
Não conhece o mundão,
Rico de beleza,
Diferente do mundo cão.

Sentir o calor do sol,
Seus raios reluzentes,
Um dia lhe dará sombra,
As árvores que já foram sementes.

Embaixo de asas protetoras,
Sem passar fome, nem frio,
Graças a sua genitora,
Que encara o desafio,
De cuidar e tratar bem,
De lhe dar um lar e comida também.

Na cor viva da árvore,
O verde da esperança,
No semblante estampado,
A sabedoria de uma criança.

Alma coberta de inocência,
Pureza em cada palavra proferida,
Coragem de reconhecer o erro,
Mesmo quando restem feridas.

Espontaneidade nos seus gestos,
Espírito de um aventureiro,
Superando cada obstáculo,
Com o coração de um guerreiro.

Não olha para trás,
Apenas pra ajudar,
Teu coração é límpido,
Ainda tem muito o que enfrentar,
Contudo não sabe ainda,
O que a vida irá lhe ofertar.

Sem medo do futuro,
Vive a cada instante intensamente,
Pula mais um muro,
Sempre seguindo em frente,
Com pensamentos positivos,
Habitados em sua mente.

Mais uma queda, levanta,
Se entregar não adianta,
Retiram-se pedras do caminho,
Deus vivendo em seu coração,
Nunca te deixando sozinho.

Gozando a saborosa liberdade,
Mesmo correndo perigos,
Honrosa a presença da felicidade,
No rosto de novos amigos.

Chega a hora de parar,
Não pula mais carneirinhos,
Já é hora de levantar,
Ouvir a melodia dos passarinhos,
Voltar à realidade,
Na memória uma saudade,
De quando era novinho.

(Caio Mattos)

Um sonho para todos


Quebrar meus compromissos
Descer descalço à praia
Num dia de pouco movimento
Ir direto ao mar gelado
Deixar o corpo amolecer
Caminhar até a sombra
Fechar os olhos cansados
Paralisar a sinapse
Apenas ouvir o mar
Sabê-lo
Chocando-se contra as pedras
Chiando sobre a areia
Estalando a espuma
Quero sentir o mundo sem mim
Sentir a vida vagabundeando
Ali, como um coco seco
Solto
Quero que os pássaros se aproximem
Reconheçam minha natureza
Preciso descansar do tempo
Das obrigações cotidianas
Das respostas encima da hora
Escrever não resolve mais
Preciso largar o lápis
Vegetar serenamente por toda uma tarde
Sentir a areia, o vento, o sal
Imóvel, indefeso, sozinho
Livre, uno, novo
Preciso logo
Mas não posso essa semana
Tenho muito a fazer
Até domingo estarei ocupado
Depois já é segunda-feira
Novo adiamento
Segundo a segundo eu quero e preciso
Meus ombros pesam
Meus olhos ardendo se fecham
Essa noite rezarei
Por um sono tranqüilo
Ininterrupto, bom
Para mim e para todos
No qual estarei sem compromisso
Descalço na praia
Num dia de pouco movimento
Ante o mar gelado
Deixarei o corpo amolecer
Depois caminharei até a sombra
Fecharei os olhos cansados
Paralisarei a sinapse
Apenas ouvirei o mar
Sabê-lo

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Chão quente de manhã

Rasga loco
Vamos subir a pirambeira
Cuidado com a beira
O precipício nos espera
Pega essa reta
Direto ao topo
Apóia o pescoço
A inclinação é severa
Não existe desistir
Voa mais quem alcança
Chama essa gana
Eu quero ver o sol
Vamos fugir da terrinha
Sobre a lua prateada
Toca fogo nessa braga
A velocidade é o anzol
Quero secar o céu da boca
Remelar o canto do olho
No frio da serração
Põe o barro pra subir
Pisa, chama na chincha
Por mim o motor solta
Joga por cima das copas
Preciso voar e sumir

Toma

Corre a riqueza
Rota certa
Parte para seu destino
Num Banco longínquo
..Vai
.....Vai
.......Vai
..........Vai
.............Vai
................Vai
...................Vai
.....................Vai
...................Vai
................Vai
.............Vai
.........Vai
.......Vai
.....Vai
..Vai
Não voltará
Outra riqueza a absorveu
Semelhantes que se querem
O poder é um zilhão de tijolos

In natura

Não fosse a imaturidade
Seríamos presas fáceis
Para os dessabores da vida

Nossa pouca idade
De pássaro sem saber voar
Impede que enxerguemos
O tamanho da parábola

Por isso queremos crescer
Dispostos a viver um sonho
Aquela vida tão errante
De ínfimas complicações
E prazeres sobrecarregados

Crianças não sentem perdas
Não sentem dificuldades para dormir
Falta de apetite
Pouco tesão

Isso os aguarda no momento certo
Quando já estiverem preparados
Felizes o suficiente para transporem
As injúrias dessa vida insólita

Crianças são velas guardadas
Cheias de energia
E se esvairão um dia
Ao subir na fumaça

Bugio



















Nego arte do cão
Som no sangue
Tom na mão
Dom na mente
Põe pra fora essa semente
Estridente cigarra baiana
canto em forma de grito
E grita e grita a mãe-áfrica
Diz como o azul da Bahia é bonito
Só fala belo assim
Quem é mais lindo ainda por dentro
Nego cão de sentimento
Tu és todo instrumento
Transforma luz em canção
Pedra que mina
Estes teus olhos
Grandes olhos de cabra
Espelham a beleza da raça
Do nariz da tua cor
Canta que a senzala dança
Dançam os canaviais e a casa grande
Faz da música exuberante
Diz à gente como deve ser
Cão por inteiro nego
Desde o fio do cabelo
Até as cordas do violão

domingo, 6 de abril de 2008

Poema do CU (bem grande)

Não se fala cu em poesia
Nem Baudelaire
Meu Mestre maldito
O versou

Grande cu essa candura
Todos têm o seu
Andam cuando o mundo
Mas nunca o citam
Salvo os livros especializados

Se ponho um porra ou um caralho
Já vem um cuzão me guilhotinar
Imagine quando ponho CU, bem grande
Neguinho não quer nem ler mais

Acho isso um cu cabeludo, uma hipocrisia
Limitar minha lira cuíssima
E cu é uma palavra tão pequena
Tão gostosinha

Quem nunca mandou tomar no cu?
Quem não gosta de cagar (em casa)?
Ora bolas!

Preu terminar de me aborrecer
Todo palavrão que escrevo
Esse merda desse Word sublinha
Com sua linha vermelha de cu
Como se cu não existisse na Língua Portugesa
Que estresse, cucucucucu

Vem cá
Muriçoca pica
E cu, que mal faz?

Up

Abafado, usina, fornalha
A energia corre a espinha
Alcança as extremidades
Dá choque com o toque
Acumula-se no juízo
O fluxo requer sua continuidade

O tronco é uma grande brasa
Calor que seca e encharca
Roupas são supérfluas
Ardor febril, frevo e frevo
Os sons super-excitam

O banho gelado não sara
Esta chama emana de dentro
Cobre, nenhum remédio anula
Sobe à lua e cava suas crateras

A cabeça sucumbe às labaredas
Só uma ventania dispersará
Sopre sua boca sobre mim

Feixe

Dos teus olhos escapa uma frase
Leio-a porque os observo atento
Respondo-os rapidamente
Nas mesmas palavras
Eles se exaltam e fecham
Abrem diferentes
Não falam nada
Ecoam um som atilado
Chego mais perto
Ainda assim não entendo
Eles assobiam Ivan Lins
Lêem minha íris
Conhecem meu gosto
Estão a me seduzir
Para onde vamos
Apontam o centro da dança
Seguem na minha frente
Não suporto ser correspondido
Só sei acompanhá-los
Olhos sem vergonha
Guiam-me
Já sabemos nossos nomes
Mel e castanho
Propõem um acordo
Olhos nos olhos
Até não enxergarmos mais nada

Filha da flor

Mulher de asa
Lambuzada na geléia real
Majestosa abelha-rainha
Cheira flores
Nariz em néctar
E pede bis
O jardim é seu mundo
Com exceção da estátua
Essa canção adeja
As asas batem
O pássaro passa
A colméia balança
No topo de laranjeira
Enquanto chove leve
A chuva já chovia
Por isso voa
Não longe do chão
Tampouco das estrelas
Sempre há estrelas
Há do verbo haver
Você também está a voar
Você a vê!

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Cabelos longos


Eu desconfio dos cabelos longos
De sua cabeça
Se você deixou crescer
De um ano pra cá

Eu desconfio dos cabelos longos
Eu desconfio de sua cabeça
Eu desconfio no sentido estrito
Eu desconfio no sentido lato
Eu desconfio dos cabelos longos
Eu desconfio é do diabo a quatro
Do diabo a quatro...
(Alveu Valença)

Matatu

Lembro de todos arrodeando a casa
15 crianças brincando livremente
Apostando corrida, gritando
Pouco importando quem estava na frente

Quando meus avós já não agüentavam mais
Íamos para rua jogar baleado, futebol
Pega-pega, papai-ajuda
Esta última era minha preferida

A vizinhança ficava desesperada
Não respeitávamos grades ou lanças
O que nos amedrontava eram os cachorros
Quebrávamos o que estivesse no caminho
Claro que de forma involuntária

Passava o carrinho de sorvete e meu avô
Deputado, pagava mais de 20 picolés da kibon
Todos os meninos adoravam-no, óbvio
Outras vezes era geladinho ou taboca
Era uma maravilha

No São João a rua se tornava uma Sarajevo
Fogos de todos os tipos pra todos os lados
Rua de baixo contra rua de cima
Fazíamos imensas bombas-relógio
Quantas vezes escapei de perder um dedo

Também teve a época de empinar arraia
Dos carrinhos de corrida, adesivos
Álbuns, pistolas de água
E tudo mais que aparecia

Brigas houve, todos brigaram
Mas nada que nos torna-se inimigos ou rivais
Pelo menos no meu caso
Não guardo raiva de ninguém

foram bons tempos
Preservo muitas das amizades
Quando os encontro é uma satisfação
A grande maioria se mudou, outro morreu
Casaram, pois é, foi uma grande infância
Aquela da Rua Otaviano Pimenta, Matatu

Pílula do tempo


Quando atrasa
Corre o tempo
À medida que aperta o passo
Mais atraso
Ficam para trás
Outros lances belos
Incessante corrida
Para e pensa
Retalha, mente, navalha
10 respiros
Sopesa e decide
Jogo de montar e desmontar
Quebra-cabeça
Cada peça movida diminui a enxaqueca
Será remoto o fim incerto
Minutos a mais de sono
Pílula do tempo

Próxima esquerda


Dementes e porcos
Somos irmãos
Nesta casa de ruas
Artérias inóspitas
Amaldiçoados

Deixamos escurecer
Apesar dos postes
Nostra irmandade
Bandos, quadrilhas
Quem dará o próximo tiro?

Sou um futuro cadáver
Apto a morrer de fome
Basta-me a paralisia
Amaldiçoado
Definharei em frente ao shopping

Você me confortaria?
A quanto tempo não me vê?
Dá esmolas?
Amaldiçoado
Nascemos mortos

Nosso destino ultra-uterino
Redimir perante quem?
Ascensão de asfalto
Amaldiçoados
Em triste fim

Ave Mário Tosto


O Palácio do Merengue nos espera de portões abertos
Vamos encher a cara e ficar do jeito que o Diabo gosta
Traga um colchão, carvão, carne, cerveja e viola
Nesse Principado toda a plebe se refestela liberta

Mário Tosto é o Chefão de Cerimônia
Gourmet, açougueiro e Cafetino pra mil
Em sua presença todo homem parece menino
E toda a mulherada mostra logo o sorriso

No Térreo é onde rola a festa até altas horas
Mas no segundo é que o povo fica na intimidade
Rolam carícias nas escadas e atrás das portas
Enquanto toda a Igreja da Barra fervorosamente ora

As janelas são lacradas com tijolos e cimento
Para evitar que o pessoal fuja do aliciamento
Nos fundos acontecem as reuniões da fumaça
E no quartinho tem gente que fura como traça

Quando pensar num ambiente extremamente porreta
Lembre do Gran Palacete del Merengue, por favor
Lá só entra gente finíssima, de classe e direita
E para curtir não precisa pagar nada não Senhor

Ai que Saudade da penumbra do Palácio
E de todas as pessoas que nele entram no ritmo
Não vejo a hora de voltar para mais um esquema
E no meio da bagunça esquecer todos os problemas

Boa mesa


Troquei meus velhos vícios
Por outros não menos insidiosos
Arranquei o filtro do cigarro
Mudei o formato do copo

Beber é uma necessidade vital
Quando não bebo sinto-me mal
Minha cabeça padece de problemas
Fico irado com tantos dilemas

Como não beber uma cerveja
Ao cair da tarde em frente ao farol
Ao uísque e aos prazeres da mesa
Rendo-me sem temer pelo colesterol

O cigarro é meu melhor amigo
Sempre ao lado, sempre disponível
Além disso, com ele penso melhor
É querido para qualquer qüiproquó

Meus dedos se coçam por ele
Meus olhos esperam pela fumaça
Meus pulmões reivindicam-no aceso
Meu cérebro só aquieta com sua brasa

Estes passos de pronador
Revelam minha personalidade
Como o calo do meu dedo médio
Pressupõe sedentarismo e sexualidade

Ainda não sinto dores no peito
Tampouco a famosa falta de ar
Minha pressão controlo no bar
Com quibe, bolinho e queijo

Mudar foi incrivelmente fácil
Transformar-me é outra história
No mais, não tenho a menor vontade
E quando tiver, será em boa hora

S/ Título

De ti já não espero mais nada
nem o doce mel que tanto almejava
e como suspirava ao ver-te passar
já nem sequer de canto de olho

já não és mais aquela lápide
raio de sol em prisma de diamante
nem princesa nem rainha
dama escarlate

... és apenas um espectro
resquício do amor que matou.

(Xis)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Maria José, Zezé


Olhar cor de jade da Salamanca espanhola
Vivido, vivo quão criança agitada e afetiva
Mira-me generoso como colo materno
Irradia puros valores de arte e família

Batatas pintadas por Portinari
Mãos ágeis de cozinheira, pianista, costureira
São tão aconchegantes os teus macios braços
Tua casa mais parece um pudim com ameixas

Orquídeas adornando teus vestidos
Cheiro de talco, colônia, sabonete
Tão vaidosa, demonstra amar-se tanto
Perfume de avó, beleza de Deusa

Dedico este simples poema a ti
Único artifício que não te vi exercer
Guarde-o sempre junto ao teu peito
Este é o sentimento que nutro por você

Vestido


A satisfação em suas palavras
O modo como gesticulava
Enquanto conversávamos
Sorriso delgado plantado na cara
Nosso ciúme o entretia
Gostou de ser o centro do embate
Em sua cabeça teríamos coragem
De irmos de fato às vias de fato
Duas guerreiras na linha de frente
Dispostas a tudo por esse homem
Mostrou-me ali não me amar
Para mim basta de repartir as contas
Parto agora, não tem meia-hora
Não se disputa uma pessoa disposta
Há conquista apenas entre duas
Com flores e belas palavras cantadas
Mentiras de amor e falsas risadas
Vai ver foi isso que fez comigo
Se a outra quiser, que use meu vestido
Não quero mais nada que venha daquele
Cansei de viver com todo este drama
Devia ao menos demonstrar respeito
Deixá-la falar pelos cotovelos
Pois não passa de mulher ressentida
Como agora estou, completamente abatida
Disposta a tudo, inclusive ir embora
Tranco a porta e jogarei a chave fora

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Titulos desconhecidos


1.

o pior dos sentimentos
é aquele que não é
a estar por vir
e deixar de ser
e por não ser
e poder ser
faz-se
mesmo sem se ter
ou crer
o pior de todos
mas quando se tem realmente
se acaba
se não se ter é duvida
e se ter não é
prefiro querer

2.

teu desafeto me faz amar mais
porque amplos poros fez-se em mim
quando não tocou-me na pele
e pior nos olhos
Quando eu ouço Bethoven
falsa quietude
eu vejo o quando perdeste
eu ganho mais
se tenho todos os sentidos
e outros mais
mais os novos que me destes
pressuponho-me feliz
e sou mesmo
sou mais
pois quando fechastes as portas pro meu mundo
abriste outros
pois tem que abri-los
estes
fechados aos olhos de tantos
Tu
não es pequeno
só es o quadro inacabado
não apreciado por nós

(Maria Cecilia)

Freud explica


Se o amor cujo amor é meu
Disser ser sua vontade partir
Direi que vá, mas vá ligeiro
Já que o amor só dura em mim

Tua presença ante meus olhos
Será tortura sem precedentes
Sendo a imagem viva na memória
Castigo mais que suficiente

Que besteira pensar nesta perda
Porquanto me magoa tal sensação
Ocorre que sempre penso nela
E por vezes é ela minha desilusão

desencadeado


Falo enquanto arde o peito
Este fiel incontentamento
O crítico olhar de caçador
Não se sabe do quê
Talvez rime com cura
De noite com necessidade
Não importa o que me guia
Estou solto de fato
Milagre, sou poeta
Basta a fagulha do fósforo
E me rendo a mim
Embevecido por tais intentos
Carne tremendo de ânsia
Ávido pela continuidade da obra
Louca vontade de escrever
Já não respeito o lugar e a hora
Na cama e no carro e no trabalho
Vivo para fora
Pelo avesso de sensações
Conjequituras e elucubrações
Pois já temo sua partida
O fim que persegue o mundo
Feito um juvenil amante
Querendo caber tudo num ato
Clamo a Deus, ah meu Deus
Não me prive desta dádiva
Deixe-me morrer assim
Inteiro
Pleno

Izabel

Você mulher diz
Não gostar de poesia
Mas gosta das flores que dou
Talvez porque poesia é alma
E são as flores matéria fria
Desisto de te entender
Para mim é caso perdido
Continue cheirando suas flores
E para poesia tape os ouvidos

Lei do Amigo Meu


O homem também apanha
Posso testemunhar nesse caso
Mulher quando se irrita ira
Só falta arrancar um pedaço

Ao encontrar um que a trate bem
Com amor, docilidade e compreensão
Zanga por qualquer bobagem
Parece o olho de um furacão

Este tipo de homem que apanha
É incapaz de dar-lhe sequer um grito
Com isso ela fica ainda mais nervosa
Faz a mala e chama-o de corno assumido

Somos expostos a todo tipo de violência
Mental, física e moral, em todo o canto
Mulher braba não respeita ocasião
Desce do salto e abre-se em pranto

Agora, nessa moda de aula boxe para mulher
Temo pela vida de alguns dos meus amigos
Elas estão em busca da mira perfeita
Imagine quando abrirem aulas de tiro

Já que saiu a Lei Maria da Penha
Proponho a Lei do Amigo Meu
Para processarmos essas doidas
Espancadoras dos amores seus

Cem palavras


Nascimento
Clara estrela
Peixe dágua doce
Cântico negro
Palavras irmãs
Movimento musical
Sensibilidade simples
Harmonia absoluta
Letras de luta
Ton de protesto
Nasce pronto
Macunaíma
Brasileiro puro
Índio negro branco
Amigo canção
América-Latina
Mil nascimentos

Parceria

Nasce o poeta
Morre a poesia
Todo poeta é triste
Mais triste sem poesia

(joão e pablo, respectivamente)

terça-feira, 1 de abril de 2008

Fé em Deus


Tridente no pescoço da humanidade
Cegos na ignorância abraçavam tudo
Quem resistiria à tentação de iludi-los?

Filha da fermentação da uva
Cinza da combustão do ópio
Masturbação da carência celibatária

Conceituo-a como oportunismo intelectual
Ideal puramente sofista, alquimia
Demonstração primitiva do estelionato

Não passa de um simbolismo barato
Qualquer coisa de inútil, vaga, vazia
Papel para forrar o chão que piso

Contudo, reconheço e admiro seu valor fantástico
Louvo idéias regadas de originalidade
Não sendo arremedo, espúria, a li

Tornei-me o Satanás coberto pelas 7 pragas
De sangue borbulhando nas veias ardentes
Anuncio o fim em mim de tudo que é católico

Alardearei o veneno sulforoso de tuas páginas
A evidência da malignidade de teus pensamentos
Para que convencer do fim, senão para roubar a existência?

Vermes é o que são, para sempre cuspirei tuas catedrais
Missa ao caralho, eu quero é um show de Zé Ramalho
Vocês que devem rezar pelas almas queimadas na Inquisição

Nem tudo

Sei o que os anjos não sabem
O vermelho do algodão na boca
O cheiro do suor embaixo do braço
O abrupto desabotoar da roupa

O frio da noite não afastará meu sonho
Beberei deste enterro frio que me arrepia
No imperfeito sentimento que me segue
Faço da tristeza a total anti-monotonia

Matar para não morrer!


1, 2, 3, 4
1, 2, 3, 4

Vamos ao combate
Vamos ao combate

Enfrentar o mosquito
Enfrentar o mosquito

Ele é nosso inimigo
Ele é nosso inimigo

Não teremos piedade
Não teremos piedade

Foi culpa da Autoridade
Foi culpa da Autoridade

A epidemia de dengue
A epidemia de dengue

Não houve preventivo
Não houve preventivo

Não temeram o mosquito
Não temeram o mosquito

Acabou jangada


Antes o buraco da rede era grande
Havia muito peixe e a fome era pouca
As jangadas voltavam cedo para casa
Um dia de trabalho rendia uma semana

Iemanjá, minha Rainha
O que deu no mar?

Antes o mangue era cheio de vida
Havia aratu, caranguejo, siri e guaiamum
Os alevinos passavam o dia em suas piscinas
Catava-se o necessário para encher a panela

Janaína, minha Rainha
Pra onde foi o mangue?

“Pergunta ao homem, eu te digo
Foi ele quem fez esse castigo
Por querer tudo demais
Chegou ao fim muito do bonito
Come mais do que precisa
E não trata de deixar pros demais
Amanhã a barriga ronca e aí?
Vai passar fome, pobre do homem
Vão virar tudo canibais!”