terça-feira, 31 de março de 2009

Inacabada, mas já vale uma leitura!

A Torre impressionava à distância
Lá do alto era possível ver a curva da terra
A mais privilegiada contemplação do mundo
Alimentada pelo uivo do vento ininterrupto

Nela alguns experimentavam a segura solidão
A capacidade de ausentar-se de tudo
E ao mesmo tempo manter-se presente
Encontravam a si – sentiam o auto-conhecimento

Enquanto outros reconheciam seu poder -
A possibilidade de avistar os rebanhos longínquos
De observar o céu com maior nitidez
De antever um ataque inimigo

Não havia vivente que ignorasse a existência da Torre
Que não quisera saborear o gosto de ser seu ocupante
Mesmo que fosse durante a passagem de uma tempestade
Era ela o máximo do sonho, a mais alta estrela

Tolo foi aquele que pensou e tentou monopolizá-la
Que lutou aos seus pés para ser o único a usufruí-la
Pois era preciso deixá-la para conseguir água, lenha e comida
E ninguém suportava descer e subi-la num único dia

Mesmo assim, a cobiça à Torre cegou muitos homens
Não percebiam o feitiço ideal que carregavam
Imaginavam-se Senhores da Torre, Donos do Saber
Mas não passavam de servos em nome de um ponto de vista

Mortes aconteceram, tragédias se sucederam
E as gerações se seguiram ao redor da bela construção
Aos seus pés nasceu a Cidade da Torre
E adoptaram o Homem da Torre - seu guardião

Este gozava de prestígio e poder
Era quem determinava quem e quando poderia subir ou não
Bania da Cidade aquele que lá errasse
Como também, aquele que não o agradasse

O Homem da Torre não era só satisfação
Sofria o desassossego de ser caçado
Aspiravam matá-lo, aspiravam possuir seu mando
Mais do que a vida noutro canto sem disputas

E foram nomeados os Protetores do Homem da Torre
E Leis foram criadas para punirem os assassinos
E Prisões foram erguidas e ampliadas
E foi decretada a Pena de Morte

A desumanidade estava, então, enraizada
Os homens temiam uns aos outros
Não mais existia a glória de admirar a terra e a si
Havia sim, a batalha pela soberania sobre os demais

Mas nada na terra dura além de certo tempo;
Foi após tremer o chão que a Torre desabou sobre a cidade
Levando a morte à grande parte da população
Espalhando o desespero, a incredulidade

Muitos criam ser um sinal dos Deuses
Outros acreditavam no acaso - na natureza
Fato é que aquele povo perdera sua maior referência
Inegavelmente, encontrava-se perdido nos escombros

E à medida que as coisas se reestruturavam
Que casas eram refeitas e pessoas eram curadas
O povo da cidade retornava à sua rotina atroz
Já que era suficientemente obtuso para viver de outra maneira

E muitos anos depois, no afã de encontrar uma pista
Que indicasse qual a origem da afamada Torre
Um jovem começou a escavar suas ruínas
A despeito das pragas lançadas contra ele pelos anciãos

Após cavar vários metros e alcançar o alicerce da obra
Tal jovem defrontou-se com a desgraça e a explicação
Pois estava talhado na superfície da rocha
Que manteve a Torre de pé ao longo dos séculos:

A Torre não servirá ao homem, a altura o cega e escraviza;
Servirá aos homens, para ensinar-lhes que nada na vida
É tão grande que não possa ser igualmente repartido,
Assim me foi passado por Ardag Tuynev.

quinta-feira, 26 de março de 2009


(Obs.: foto meramente ilustrativa, ou seja, não estou aqui dizendo que Ellen Gracie é comedora de bola)

Não se surpreenda Parte Autora ou Ré
Ao deparar-se na mesa de audiência
Com Juíza forrada de ouro e brilhantes
Espargidos por anéis, brincos, colar...

Faz parte do lobby dos Causídicos
Mimosear a Magistrada jactanciosa
A fim de sensibilizar sua imparcialidade
Quando estiver a elaborar a sentença

Concordemos ser estatalmente incomum
Haver serventuário possuidor do caráter
Necessário para rejeitar uma bola de ouro

E não esqueça que no Poder Judiciário
Estão a fervilhar todos os interesses
Correntes nesta sociedade de consumo

quarta-feira, 25 de março de 2009


Retrato de Rosa Luxemburgo, morta em 1919 por paramilitares alemâes. Bertolt Brecht escreveu seu epitáfio:

"Aqui jaz
Rosa Luxemburgo,
judia da Polônia,
vanguarda dos operários alemães,
morta por ordem dos opressores.
Oprimidos,
enterrai vossas desavenças!"

.

XXX

.

Epitáfio de Tereza:

Tereza nasceu lésbica,
Nunca desejou experimentar um homem,
Tamanha era sua adoração pelas mulheres.

Colecionava num diário
O que lhe chamava a atenção em cada xoxota que amava,
Do corte às formas,
Do odor à profundidade;
Faltava erguer um templo,
E foi além.

Decidiu convencer cada homem homossexual que encontrasse
Das maravilhas da vagina,
Através da sua.

Para tanto,
Vendava-os,
Punha um filme pornô no qual homens gemiam
E pedia ao sujeito que saboreasse as sensações:
A temperatura,
A textura,
As vibrações,
A maciez,
A lubrificação natural.

Tereza trepou com homens por muito tempo,
Tendo angariado alguns ex-viados na sua jornada.

Satisfeita, não deixou de louvar a vagina nem por um segundo;
Enquanto fudia,
Pensava em Rosa Luxemburgo.

terça-feira, 24 de março de 2009

Estou doente;
Quem não está?!

Não esperarei a cura,
Morrerei em breve, antes que esteja absolutamente só,
Desiludido,
Amamentando a esperança da continuidade da vida!

Prefiro sentir-me vivo ao morrer,
Repleto de fomes, de dúvidas, de compaixão;
Em busca da personalidade, do adstringente amor,
Do conhecimento que desconheço.

Que me seja negada a morte por velhice,
Caduca, esquecida, entrevada,
Rodeada de crianças zombeteiras
E favores de filhos ingratos.

Desejo morrer agora,
Por sobre estes versos tristes de morrer!

segunda-feira, 23 de março de 2009

FOLHA DE SÃO PAULO, 14-03-2009, INCOERÊNCIA RELIGIOSA

Dráuzio Varela
Os males que a igreja causa em nome de Deus vão muito além da excomunhão de médicosAOS COLEGAS de Pernambuco responsáveis pelo abortamento na menina de nove anos, quero dar os parabéns. Nossa profissão foi criada para aliviar o sofrimento humano; exatamente o que vocês fizeram dentro da lei ao interromper a prenhez gemelar numa criança franzina.

Apesar da ausência de qualquer gesto de solidariedade por parte de nossas associações, conselhos regionais ou federais, estou certo de que lhes presto esta homenagem em nome de milhares de colegas nossos..Não se deixem abater, é precisoentender as normas da Igreja Católica. Seu compromisso é com a vidadepois da morte. Para ela, o sofrimento é purificador: "Chorai e gemei neste vale de lágrimas, porquevosso será o reino dos céus", não é oque pregam?
É uma cosmovisão antagônica àda medicina. Nenhum de nós dariatal conselho em lugar de analgésicospara alguém com cólica renal. Nossocompromisso profissional é com avida terrena, o deles, com a eterna.Enquanto nossos pacientes cobramresultados concretos, os fiéis que osseguem precisam antes morrer parater o direito de fazê-lo..Podemos acusar a Igreja Católicade inúmeros equívocos e de crimescontra a humanidade, jamais deincoerência. Incoerentes são os católicos que esperam dela atitudesincompatíveis com os princípiosque a regem desde os tempos da Inquisição.
Se os católicos consideram o embrião sagrado, já que a alma seinstalaria no instante em que o espermatozoide se esgueira entre osporos da membrana que reveste o óvulo, como podem estranhar que umprelado reaja com agressividade contra a interrupção de uma gravidez,ainda que a vida da mãe estuprada corra perigo extremo?.O arcebispo de Olinda e Recife nãocometeu nenhum disparate, agiuem obediência estrita ao Código Penal do Direito Canônico: o cânon 1398 prescreve a excomunhão automática em caso de abortamento.
Por que cobrar a excomunhão do padrasto estuprador, quando os católicos sempre silenciaram diantedos abusos sexuais contra meninos,perpetrados nos cantos das sacristias e dos colégios religiosos? Alémda transferência para outras paróquias, qual a sanção aplicada contraos atos criminosos desses padresque nós, ex-alunos de colégios católicos, testemunhamos?.
Não há o que reclamar. A políticado Vaticano é claríssima: não excomunga estupradores.Em nota à imprensa a respeito doepisódio, afirmou Gianfranco Grieco, chefe do Conselho do Vaticanopara a Família: "A igreja não podenunca trair sua posição, que é a dedefender a vida, da concepção atéseu término natural, mesmo diantede um drama humano tão forte,como o da violência contra umamenina". Por que não dizer a esse senhor que tal justificativa ofende a inteligência humana: defender a vida daconcepção até a morte?
Não seja descarado, senhor Grieco, as cadeiasestão lotadas de bandidos cruéis e deassassinos da pior espécie que contam com a complacência piedosa dainstituição à qual o senhor pertence..Os católicos precisam ver a igrejacomo ela é, aferrada a sua lógica interna, seus princípios medievais,dogmas e cânones. Embora existam sacerdotes dignos de respeito e admiração, defensores dos anseios daspessoas humildes com as quais convivem, a burocracia hierárquica jamais lhes concederá voz ativa.
A esperança de que a instituiçãoum dia adote posturas condizentescom os apelos sociais é vã; a modernização não virá. É ingenuidade esperar por ela..Os males que a igreja causa à sociedade em nome de Deus vão muitoalém da excomunhão de médicos,medida arbitrária de impacto desprezível. O verdadeiro perigo estáem sua vocação secular para apoderar-se da maquinária do Estado, pormeio do poder intimidatório exercido sobre nossos dirigentes.
Não por acaso, no presente episódio manifestaram suas opiniõescautelosas apenas o presidente daRepública e o ministro da Saúde.Os políticos não ousam afrontar aigreja. O poder dos religiosos não éconsequência do conforto espiritualoferecido a seus rebanhos nem defilosofias transcendentais sobreos desígnios do céu e da terra, elederiva da coação exercida sobre ospolíticos.
Quando a igreja condena a camisinha, o aborto, a pílula, as pesquisascom células-tronco ou o divórcio,não se limita a aconselhar os católicos a segui-la, instituição autoritáriaque é, mobiliza sua força políticadesproporcional para impor proibições a todos nós.[i]
http://www1. folha.uol. com.br/fsp/ ilustrad/ fq1403200923. htm

quarta-feira, 18 de março de 2009

Crônica da morte consumada

“A poética da morte é a da igualdade dos mortos. Nenhuma divergência quanto a nacionalidade, sexo, idade ou crença. Os mortos são absolutamente iguais como deveriam ser os vivos se a vida não os envaidecesse tanto, fazendo da distinção o valor maior...”

Gey Espinheira(para Arnaldo Xavier)

Dedicamos um dia à morte, não à morte de todos os dias que o profissionalismo das funerárias e dos coveiros enfrenta, dos mortos avulsos e uns tantos anônimos, mas à morte de todos, universal.
O lugar da morte é o cemitério. Em um mesmo cemitério persiste a hierarquia dos mortos quando em vida. Os mortos jamais são iguais, ainda que ao pó retornados, são o que foram em vida na expressão de suas representações na arquitetura de seus túmulos. Mas há os cemitérios para os diferentes, ou seja, cemitérios de ricos e cemitérios de pobres; mas para além dessa diferenciação, em um mesmo cemitério, como em uma cidade, há lugares centrais e periféricos.
No tempo em que se morria - e aqui quero dizer a morte trágica - desenganado pelos médicos, ou de modo abrupto por ataque cardíaco, morrer do coração, como se dizia; ou ainda de acidente, a morte tinha um significado especial. Era morte esperada ou surpreendente a desorganizar a família, os amigos, os vizinhos, enfim, a casa inteira, uma rua ou mesmo uma cidade. Morte sentida, inconsolável, “esconsolável consolatrix consoadíssima...”.
Hoje, a morte é clínica. A tecnologia vai às últimas conseqüências, invade pelos orifícios do corpo com sondas, tubos; perfura o corpo e o invade e máquinas, superórgãos, mantêm a vitalidade enquanto se espera que o corpo doente ou agredido se recupere. No caso, a morte é clínica. O organismo não respondeu, não suportou. O corpo, também máquina sujeita a reparações, e eis que a mecânica já não dá conta da vida. Morte sentida, sim, mas morte racional, burocrática, explicada nos mínimos detalhes. Morte sem mistério.
O ataque do coração é agora o enfarto. O enfarto não tem a mesma dramaticidade do ataque, do arrebentar do coração vítima de um ataque, do acometimento de um mal súbito. Súbito, abrupto! Ser atacado! Sofrer um ataque! E eis que, indefeso e desavisado, sobreveio o ataque do coração. Quão diferente de saber que teve um enfarto, um enfarte. Há mais dignidade quando se morre de um ataque do coração do que de um enfarto.
A medicina banalizou a morte e a fez calculável, previsível, de tal modo que quem morre é responsável por sua própria morte e deve ser recriminado por isso. Não se cuidou! Não ia ao médico! Etc. As mortes surpresa, as mortes homeopáticas de doenças incuráveis... A “dama branca”: “Por uma noite de muito frio/ A Dama Branca levou meu pai” (2). Como eram heróicas as mortes de antigamente! Morria-se em casa, na própria cama, como em um verso de Lorca. A morte era um ritual da vida e não um exercício médico. “Tudo é milagre/ Tudo, menos a morte. / Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres”. Mas não é da morte que queremos falar, mas do lugar dos mortos, os cemitérios.
RICOS E POBRES - Clarival do Prado Valladares é quem nos guia pelos cemitérios de Salvador: Campo Santo, construído em 1841, onde se encontram túmulos de pessoas ilustres e esculturas de renomados artistas, mas destaco o comentário de Clarival: “Todavia, para além dessas quadras e dos grandes muros de carneiros, começam as quadras de enterro de pobre cercado de pitangueiras e descendo a encosta até a grota e o bambuzal.
Nessas, o Campo Santo assume um espírito diverso, comparável às ribanceiras das Quintas (Cemitério das Quintas dos Lázaros), onde as cruzes das covas rasas parecem roçado de mandioca”.
Os cemitérios são erguidos em elevações, talvez a busca dos céus, metáfora topográfica da fuga do abismo. “A antiga Quinta dos Lázaros, propriedade dos primeiros jesuítas, tinha um altiplano de morro, suficiente e muito adequado para se fazer uma verdadeira necrópole, nos conceitos sanitaristas da época” (ibid. p.115). Na semeadura do Cemitério dos Humildes de São Francisco está a de Aninha, “a grande ialorixá do candomblé do Retiro de São Gonçalo, o Axé do Opô-Afonjá”, e continua Clarival, referindo-se ao túmulo: “na quadra da Irmandade de São Benedito, próxima às dos ciganos longevos e de frades franciscanos de nome alemão, com inscrição sofisticada que em nada permite identificá-la em sua notável personalidade religiosa”:
“Aqui descança/ Eugênia Anna Santos/ A 13-7-1869/ A 3-1-1938/ Amastes desmedidamente aos teus/ E as saudades que/ Deixaste não terão mais fim./ Uma prece.”
A poética da morte é a da igualdade dos mortos. Nenhuma divergência quanto à nacionalidade, sexo, idade ou crença. Os mortos são absolutamente iguais como deveriam ser os vivos se a vida não os envaidecesse tanto, fazendo da distinção o valor maior; mas esta é uma outra história...
Clarival vai mais além: “A importância social das profissões artesanais se demonstra no espírito de classe que fez erigir nos cemitérios da Quinta dos Lázaros imponentes mausoléus coletivos, por exemplo: o da Sociedade Montepio dos Artífices, da Sociedade Bolsa de Caridade, da Associação Tipográfica, do Montepio dos Artistas, e muitos outros, ao jeito e aparência de velhos sobrados, uniformes e serenos, de platibanda ou de beiral, alguns avarandados, outros com jardim de frente gradeado, guardando seus carneiros como janelas fechadas das casas antigas de Salvador”.
Mas vamos mais adiante neste passeio pelas ruas, avenidas e quadras das cidades dos mortos. Vamos, com Clarival, pelos cemitérios de pobres: “o cemitério de pobre continua paisagem. Paisagem de leiras marcadas de cruzes, pintadas e inscritas...” (ibid. p. 130), algumas, como nos lembra João Cabral de Melo Neto: “... as caídas cruzes que há/ são menos cruzes que mastros/ quando a meio naufragar”.
Clarival nos ensina a diferença entre cemitério de rico e cemitério de pobre: “Cemitério de pobre não tem inscrições complicadas, brazões melancólicos, jactância catedralesca. Tem legendas sem gramática, com grafia de S ao contrário, com H onde não deve e sem H onde devia”. (Ibit. P. 131).
“Maria Jaz/ De Antonio Esposa/ Benedito Anjo/ Sem Hacordar/ Severo Muitos Filhos/ Lhe Tomam a Benção/ Pureza Mãe/ De Irene Uma Flor”
Licença poética na morte e para a morte, o sentimento humano puro e simples, como na saudade infinita do poema que lembra a menina morta:
“Rosalva Rosendo dos Santos/ De Rosendo e Rosa dos Santos/ Nascida em Salvador/ De Todos os Santos”.
Infelizes os mortos sem sepultura, invisíveis e silenciosos. Os que têm pátria, semeados em lugar conhecido e seguro, estão sempre a espera e sempre nos dizem coisas quando estamos com vontade de morrer.

terça-feira, 17 de março de 2009


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Após ler mancheia de bons poemas
Escrita por ainda menor soma de vates
Pude sorver o substrato dest`arte

À um grande colega, cara de ator de Hollywood,

Amigo: Xis

Não posso deixar que a vida me limite ao medo.
Eu sou o limite de mim mesmo,
o oco, o avesso preenchido.

Sou o tudo e o nada.
Tudo que a mim desejo.
Sou aquilo que sonho
Sou hoje o que fiz ontem.

Xixi no ralo - Carnaval 2009/RJ

segunda-feira, 16 de março de 2009

Poetiza Maria de Queiroz

Eu nunca fui uma moça bem-comportada.
Pudera, nunca tive vocação pra alegria tímida, pra paixão sem orgasmos múltiplos ou pro amor mal resolvido sem soluços.
Eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo.
Não estou aqui pra que gostem de mim.
Estou aqui pra aprender a gostar de cada detalhe que tenho.
E pra seduzir somente o que me acrescenta.
Adoro a poesia e gosto de descascá-la até a fratura exposta da palavra.
A palavra é meu inferno e minha paz.
Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que me deixa exausta.
Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo.
Sei chorar toda encolhida abraçando as pernas.
Por isso, não me venha com meios-termos,com mais ou menos ou qualquer coisa.
Venha a mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar...
Eu acredito é em suspiros,mãos massageando o peito ofegante de saudades intermináveis,em alegrias explosivas, em olhares faiscantes,em sorrisos com os olhos, em abraços que trazem pra vida da gente.
Acredito em coisas sinceramente compartilhadas.
Em gente que fala tocando no outro, de alguma forma,no toque mesmo, na voz, ou no conteúdo.
Eu acredito em profundidades.
E tenho medo de altura, mas não evito meus abismos.
São eles que me dão a dimensão do que eu sou

, então direi nestes termos:

A jovem denota estar distraída
Ao deitar-se de bruços apreciando as pancadas do mar.

No entanto, o mar é somente o fundo do seu verdadeiro pensamento,
Ela espia meu contorcionismo
A fim de percebê-la mais intimamente
E faz-se perceber amplamente
Afastando aos milímetros seus joelhos forrados de areia.

Alheada,
Apetece-a o desejo de manter-me escravo -
Apanhado e apanhando apenas para olhá-la,
Apetecê-la,
Tipo eunuco abanando a ama saída do banho.

No entanto, estou ali por livre encanto e pleno deleite,
Vendo o vento arrepiar-lhe os miúdos cabelos,
Refrescando suas partes, temperando-a!
Vendo o caminhar das nuvens sobre suas costas,
Ambicionando suas formas, aventurando adentrar-lhe o epicentro.

É como se estivesse nua
Atrás duma parede de vidro,
Num pôster, num desfile,
Ou em qualquer outra situação na qual entendemos a magistral função dos olhos.

Seria como se estivesse algemado na cama
E ela executando uma massagem tailandesa,
Estapeando-me, cobrando que a olhasse nos olhos.

Nestes termos,
A jovem é malvada,
Desumana, mesquinha!

quarta-feira, 11 de março de 2009

Sessão puta-q-pariu

Álvaro de Campos

"Tabacaria"

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu ,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente? 0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num paço tapado.
Crer em mim?
Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente 0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz. 0 dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.

segunda-feira, 9 de março de 2009




sexta-feira, 6 de março de 2009



Amo também com os olhos
Sem, contudo, abdicar do coração
São eles as portas de minh’alma
Quem principia o compor da paixão

E como Cupido mais que arqueiro
Miraram-se obcecados sobre você
Para tê-la irradiada dentro do peito
Iluminando-me com seu incandescer

Meu querer é então capricho das íris
E sua beleza a pedra luminescente
Ofuscadora de quaisquer outras beldades

Posso ver o meu amar só em te olhar
Seja concentrada no correr da aula
Seja amando-me deitada na eternidade

quarta-feira, 4 de março de 2009


Minha fé faleceu...
Tanto busquei a resposta
Para sobrar-me o nada,
Sem cognome, sem vestes!

Agora,
Enfim agora,
Posso dizer: Estou espiritualmente livre,
Sem a culpa judaico-cristã,
Sem o sobretudo da morte!