sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Dedo na ferida


Autores: Eu e Thadeu Mendes


Sem passos passo, vou adiante
Paro, regresso, penso
Engasgo, calo, grito
Afirmo, nego, sou relutante

Reluto o mundo e suas coisas
Paletó, vassoura, arame
Lasco, quebro, chuto
Movo-me feito um rato
Nada fica como antes

Entre esgotos percorro seus medos ancestrais
Pés descalços ao chão
Brasas que me fazem dançante
Crio asas para de cima observar infames

Sofrimento gritante
Agonizante é o sorriso sem dentes
A expressão de alegria tomada por lágrimas
Uma permutação de valores injusta e falha

Mas já deveria saber desde o nascimento
Este sistema não serve ao homem
Este é apenas um incremento
Quem é rei é o dinheiro

E ele não sente fome, tampouco dor
Talvez daí nasça o broto do caos
Dessa amálgama insensível
Que cobre o espaço vital

Cada vez mais
Entendo-me como um soro
Nocivo e contagioso
Feito para burlar as chagas

Curativos à parte... a pele arde
O couro à carcaça esquenta
Não me sirvo de dogmas ou devaneios

Meu mundo é o chão que piso
Este é meu compromisso
Solar o chão em nome da evolução
Pelo que devo sofrer
Pois o “globalitarismo” não facilita
Qualquer forma de reação

Sem reação, sem mãos, sem vida
Formar-se um enorme círculo e feridas
Os elos da corrente enferrujam-se
Quebram-se e enfraquecem-se

Os olhos secam
e à boca falta água
bem como à fome a comida
assim vamos vivendo o dito do poeta
“Morte e Vida Severina”

Ponto, Vírgula, Início

Autor: Thadeu Mendes

Já perdi o sono
Já perdi a cama
Já perdi o colo
Já perdi a ama

Ganhei a vida
Ganhei a esperança
Ganhei sonhos
Ganhei a Paz
Sou metade inteira de mim mesmo
Um resto significante de minha exitência
minhas lágrimas escorrem
Pecorrem teu corpo

minhas verdades...
minhas mentiras...
meus erros e acertos
minha vida.
meu sorriso
teu riso
teu beijo

minha calma
tua alma
desejo

Eu também vou reclamar


Composição: Raul Seixas e Paulo Coelho

Mas é que se agora
Pra fazer sucesso
Pra vender disco
De protesto
Todo mundo tem
Que reclamar

Eu vou tirar
Meu pé da estrada
E vou entrar também
Nessa jogada
E vamos ver agora
Quem é que vai güentar

Porque eu fui o primeiro
E já passou tanto janeiro
Mas se todos gostam
Eu vou voltar

Tô trancado aqui no quarto
De pijama porque tem
Visita estranha na sala
Aí eu pego e passo
A vista no jornal

Um piloto rouba um "mig"
Gelo em Marte, diz a Viking
Mas no entanto
Não há galinha em meu quintal
Compro móveis estofados
Me aposento com saúde
Pela assistência social

Dois problemas se misturam
A verdade do Universo
A prestação que vai vencer
Entro com a garrafa
De bebida enrustida
Porque minha mulher
Não pode ver

Ligo o rádio
E ouço um chato
Que me grita nos ouvidos
Pare o mundo
Que eu quero descer

Olhos os livros
Na minha estante
Que nada dizem
De importante
Servem só prá quem
Não sabe ler

E a empregada
Me bate à porta
Me explicando
Que tá toda torta
E já que não sabe
O que vai dá prá mim comer

Falam em nuvens passageiras
Mandam ver qualquer besteira
E eu não tenho nada
Prá escolher

Apesar dessa voz chata
E renitente
Eu não tô aqui
Prá me queixar
E nem sou apenas o cantor

Que eu já passei
Por Elvis Presley
Imitei Mr. Bo Diddley
Eu já cansei de ver
O Sol se pôr

Agora eu sou apenas
Um latino-americano
Que não tem cheiro
Nem sabor

E as perguntas continuam
Sempre as mesmas
Quem eu sou?
Da onde venho?
E aonde vou, dá?

E todo mundo explica tudo
Como a luz acende
Como um avião pode voar
Ao meu lado um dicionário
Cheio de palavras
Que eu sei que nunca vou usar

Mas agora eu também resolvi
Dar uma queixadinha
Porque eu sou um rapaz
Latino-americano
Que também sabe
Se lamentar

E sendo nuvem passageira
Não me leva nem à beira
Disso tudo
Que eu quero chegar-
E fim de papo!

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Eterno Amante


Faz bem caminhar na praia
Avistar o mar sem tamanho
Alcançar o horizonte infinito
Onde o céu é mais tranquilo
Menos real e mais poético
Como todo bom amor
.
Amar é amar sem fim
Ao modo das ondas
Livres da razão
Imbuídas pelo sentimento
De sublimar o pensamento
Em nome da emoção
.
Caminhar o amor
É esquecer seu começo
E não buscar o pôr-do-sol
Imaginar, tão somente, a união
Das areias e das águas
Apegar-se ao interminável
.
Assim, a viagem, o encantamento
É incrivelmente prazeroso
Quando se abstraem as rotas
Ou o bater na porta
Ao mar devemos esta confusão
De tê-lo como um eterno amante

Karl Marx - Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (CUIDADO, MATERIAL ALTAMENTE INFLAMÁVEL, BASTA ENTRAR EM CONTATO COM OS OLHOS)

Na Alemanha, a crítica da religião chegou, no essencial, ao fim. A crítica da religião é a premissa de toda crítica.
A existência profana do erro ficou comprometida, uma vez refutada sua celestial oratio pro aris et focis [oração pelo lar e pelo ócio].
O homem que só encontrou o reflexo de si mesmo na realidade fantástica do céu, onde buscava um super-homem, já não se sentirá inclinado a encontrar somente a aparência de si próprio, o não-homem, já que aquilo que busca e deve necessariamente buscar é a sua verdadeira realidade.
A religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião: este é o fundamento da crítica irreligiosa. A religião é a autoconsciência e o autosentimento do homem que ainda não se encontrou ou que já se perdeu. Mas o homem não é um ser abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade. Este Estado, esta sociedade, engendram a religião, criam uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, seu compêndio enciclopédico, sua lógica popular, sua dignidade espiritualista, seu entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua razão geral de consolo e de justificação. É a realização fantástica da essência humana por que a essência humana carece de realidade concreta. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo que tem na religião seu aroma espiritual.
A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espirito. É o ópio do povo.
A verdadeira felicidade do povo implica que a religião seja suprimida, enquanto felicidade ilusória do povo. A exigência de abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita de ilusões. Por conseguinte, a crítica da religião é o germe da critica do vale de lágrimas que a religião envolve numa auréola de santidade.
A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam as cadeias, não para que o homem use as cadeias sem qualquer fantasia ou consolação, mas para que se liberte das cadeias e apanhe a flor viva. A crítica da religião desengana o homem para que este pense, aja e organize sua realidade como um homem desenganado que recobrou a razão a fim de girar em torno de si mesmo e, portanto, de seu
verdadeiro sol. A religião é apenas um sol fictício que se desloca em torno do homem enquanto este não se move em torno de si mesmo.
Assim, superada a crença no que está além da verdade, a missão da história consiste em averiguar a verdade daquilo que nos circunda. E, como primeiro objetivo, uma vez que se desmascarou a forma de santidade da autoalienação humana, a missão da filosofia, que está à serviço da história, consiste no desmascaramento da autoalienação em suas formas não santificadas. Com isto, a crítica do céu se converte na crítica da terra, a critica da religião na critica do direito, a crítica da teologia na crítica da Política.
A exposição seguinte - uma abordagem a este trabalho - não se prende diretamente ao original, senão a uma cópia deste, à filosofia alemã do direito e do Estado, pelo simples fato de se ater à Alemanha.
Se nos quiséssemos ater ao status quo alemão, ainda que da única maneira adequada, isto é, de modo negativo, o resultado continuaria a ser anacrônico. A mesma negação de nosso presente político já se acha coberta de pó no sótão de trastes velhos dos povos modernos. Ainda que nos recusemos a recolher estes materiais empoeirados, continuaremos conservando os materiais sem poeira. Ainda que neguemos as situações existentes na Alemanha de 1843, apenas nos situaremos, segundo a cronologia francesa, em 1789, e ainda menos no ponto focal dos dias atuais.
E o caso da história alemã gabar-se de um movimento ao qual nenhum povo do firmamento histórico se adiantou a ela nem a seguirá. Com efeito, os alemães compartem as restaurações dos povos modernos, sem haver participado de suas revoluções. Passamos por uma restauração, em primeiro lugar, porque outros povos se atreveram a fazer uma revolução e, em segundo lugar, porque outros povos sofreram uma contra-revolução; a primeira vez porque nossos senhores tiveram medo e a segunda porque não o tiveram. Tendo à frente nossos pastores, só uma vez nos encontramos em companhia da liberdade: no dia de seu enterro.
Uma escola que legitima a infâmia de hoje com a infâmia de ontem; uma escola que declara ato de rebeldia todo grito do servo contra o knut, da mesma maneira que este é um knut pesado de anos, tradicional, histórico; uma escola a que a história só mostre seu a posteriori, como o Deus de Israel a seu servo Moisés, numa palavra, a Escola histórica do Direito teria sido inventada pela história alemã se já não fosse por si uma invenção desta. É Shylock, mas o criado Shylock, que por cada libra de carne cortada do coração do povo, jura e perjura por sua escritura, por seus títulos históricos, por seus títulos cristão-germânicos.
Em troca, certos entusiastas bondosos, germanistas pelo sangue e liberais pela reflexão, vão buscar além da história, nas selvas teutônicas virgens, a história da nossa liberdade. Mas, se só se encontra na selva, em que se distingue a história da nossa liberdade da história da liberdade do javali? Além disso, é fato sabido
que quanto mais alguém se interna no bosque, tanto mais ressoa sua voz fora deste. Por conseguinte, deixemos em paz a selva virgem teutônica.
Guerra aos estados de coisas alemães! É certo que se encontram abaixo do nível da história, abaixo de toda critica, mas continuam a ser, apesar disto, objeto de crítica, assim como o criminoso, por não se achar abaixo do nível da humanidade, não deixa de ser objeto do verdugo. Na luta contra eles, a crítica não é uma paixão do cérebro, mas o cérebro da paixão. Não é o bisturi anatômico, mas uma arma. Seu objeto é o adversário, que não procura refutar, mas destruir. O espírito daquelas situações já foi refutado. Não são dignas de ser lembradas; devem ser desprezadas como existências proscritas. Não há necessidade da crítica esclarecer este objeto frente a si mesma, pois dele já não se ocupa. Esta crítica não se conduz como um fim em si, mas, simplesmente, como um meio. Seu sentimento essencial é a indignação; sua tarefa essencial, a denúncia.
Trata-se de descrever a surda pressão mútua de todas as esferas sociais, umas sobre as outras, a alteração geral e imprudente, a limitação que tanto se reconhece quanto se desconhece, enquadrada dentro do modelo de um sistema de governo, que, vivendo da conservação de tudo aquilo que é lamentável, não é outra coisa senão o que há de lamentável no governo. Espetáculo lamentável! A divisão da sociedade até o infinito nas raças mais diversas, que se enfrentam umas às outras com pequenas antipatias, más intenções e brutal mediocridade e que, precisamente em razão de sua mútua posição cautelosa são tratadas por seus senhores, Sem exceção e com algumas diferenças, como existências sujeitas a suas concessões. Até isto, até o fato de se verem dominadas, governadas e possuídas tem que ser reconhecido e confessado por elas como uma concessão do céu! E, por outro lado, aqueles senhores, cuja grandeza se encontra em relação inversa ao numero delas!
A crítica que se ocupa deste conteúdo é a crítica da competição. Durante a competição não interessa saber se o adversário é nobre, da mesma categoria, se é um adversário interessante; trata-se de vencê-lo. Trata-se de não conceder aos alemães nem um só instante de ilusão e de resignação. Há que tornar a opressão real ainda mais opressiva, acrescentando àquela a consciência da opressão; há que tornar a infâmia ainda mais infamante, ao proclamá-la. Há que pintar a todas e a cada uma das esferas da sociedade alemã como a partie honteuse [partes pudendas] da sociedade alemã; há que obrigar estas relações escravizadas a dançar, cantando-lhes sua própria melodia. Há que ensinar o povo a ter pavor de si mesmo, para infundir-lhe ânimo. Com isto, se satisfaz uma indisfarçável necessidade do povo alemão; as necessidades dos povos são, em sua própria pessoa, os últimos fundamentos de sua satisfação.
Esta luta contra o status quo alemão tampouco carece de interesse para os povos modernos, pois o status quo alemão é a consagração franca e sincera do antigo regime, e o antigo regime, a debilidade oculta do Estado moderno. A luta contra o presente político alemão é a luta contra o passado dos povos modernos; as reminiscências deste passado continuam a pesar ainda sobre eles e a oprimi-los.
É instrutivo para estes povos ver como o antigo regime, que neles conheceu sua tragédia, representa agora sua comédia; é instrutivo para estes povos vê-lo como o espectro alemão. Sua história foi trágica enquanto encarnou o poder preexistente do mundo e a liberdade como uma ocorrência pessoal; numa palavra, enquanto acreditou e devia acreditar na sua legitimidade. Enquanto o antigo regime e a ordem existente no mundo lutavam contra um mundo em estado de gestação, traziam de sua parte um erro histórico-universal e não de caráter pessoal. Portanto, sua catástrofe foi trágica.
Pelo contrário, o atual regime alemão, que é um anacronismo, uma contradição flagrante com todos os axiomas geralmente reconhecidos, a nulidade do antigo regime posta em evidência frente ao mundo inteiro, só imagina crer em si próprio e exige do inundo a mesma fé ilusória. Se acreditasse em seu próprio ser, acaso iria escondê-lo sob a aparência de um ser estranho e procurar sua salvação na hipocrisia e no sofisma? Não, o moderno regime antigo já não é mais do que o comediante de uma ordem social cujos heróis reais já morreram. A história é conscienciosa e passa por muitas fases antes de enterrar as velhas formas. A comédia é a última fase de uma forma histórico-universal. Os deuses da Grécia, já tragicamente feridos no Prometeu acorrentado de Ésquilo, morreram ainda outra vez, comicamente, nos colóquios de Luciano. Por que esta trajetória histórica? Para que a humanidade possa separar-se alegremente de seu passado. Este alegre destino histórico é que nós reivindicamos para as potências políticas da Alemanha.
Não obstante, tão logo a moderna realidade político-social se veja submetida à crítica, isto é, tão logo a critica ascende ao plano dos problemas verdadeiramente humanos é que se encontra fora do status quo alemão, pois de outro modo abordaria seu objeto por baixo de si mesma. Um exemplo: a relação entre a indústria, o inundo da riqueza em geral e o mundo político é um problema fundamental da época moderna. De que forma este problema começa preocupar os alemães? Sob a forma de normas protetoras, de sistema proibitivo, da economia nacional. O germanismo passou dos homens a matéria e, um belo dia, nossos donos do algodão e nossos heróis do ferro viram-se convertidos em patriotas. Assim, pois, na Alemanha começa-se pelo reconhecimento da soberania do monopólio rumo ao interior, conferindo-lhe a soberania rumo ao exterior. Isto significa que na Alemanha se começa por onde terminam a França e a Inglaterra. A velha situação insustentável contra a qual se levantam teoricamente estes países e que só são suportáveis como são suportados os grilhões, é saudada na Alemanha como a primeira luz do amanhecer de um belo futuro, que apenas se atreve a passar de uma ladina teoria à mais implacável prática. Enquanto na França e na Inglaterra o problema é colocado em termos de economia política ou império da sociedade sobre a riqueza, na Alemanha os termos são outros: economia nacional ou império da propriedade privada sobre a nacionalidade. Portanto, na França e na Inglaterra trata-se de abolir o monopólio, que chegou a suas últimas conseqüências; na Alemanha, trata-se de levar o monopólio a suas últimas conseqüências, No primeiro caso, trata-se da solução; no segundo, simplesmente da contradição. Exemplo suficiente da forma alemã que ali adotam
os problemas modernos, de como nossa história, tal qual o recruta imbecil, não teve até agora outra missão senão a de praticar a repetir exercícios já feitos.
Por conseguinte, se todo o desenvolvimento da Alemanha não saísse dos marcos do desenvolvimento político alemão, um alemão apenas poderia, muito bem, participar dos problemas do presente, do mesmo modo como um russo deles pode participar. Mas, se um indivíduo livre não se acha vinculado às cadeias da nação, ainda menos livre se vê a nação inteira diante da libertação de um indivíduo. Os citas não investiram um só passo contra a cultura grega porque a Grécia contasse um deles entre seus filósofos.
Por sorte, nós, alemães, não somos citas.
Assim como os povos antigos viveram sua pré-história na imaginação, na mitologia, nós, alemães, vivemos nossa pós-história no pensamento, na filosofia. Somos contemporâneos filosóficos do presente, sem ser seus contemporâneos históricos. A filosofia alemã é o prolongamento ideal da história da Alemanha. Portanto, se ao invés das oeuvres incompletes [Obras incompletas] de nossa história real, criticamos as oeuvres posthumes [Obras póstumas] de nossa história ideal, a filosofia, nossa crítica figura no centro dos problemas dos quais diz o presente: That is the question [Eis a questão].
O que para os povos progressistas é a ruptura prático com as situações do Estado moderno, na Alemanha, onde estas situações nem sequer existem, isto significa, antes de mais nada, a ruptura critica com o reflexo filosófico destas situações.
A filosofia alemã do Direito e do Estado é a única história alemã que se acha a par com o presente oficial moderno. Por isto, o povo alemão não tem outro remédio senão incluir também esta sua história feita de sonhos entre suas situações existentes e submeter à crítica não só estas mesmas situações mas, também e ao mesmo tempo, seu prolongamento abstrato. O futuro deste povo não pode limitar-se nem à negação de suas condições estatais e jurídicas reais, nem à execução indireta das condições ideais de seu Estado e de seu direito, já que a negação direta de suas condições reais já está envolvida em suas condições ideais e a execução indireta de suas condições ideais quase a fez sobreviver ao contemplá-las nos povos vizinhos. Assim, ao reclamar a negação da filosofia, o partido político prático da Alemanha tem toda razão. Seu erro não reside na exigência, mas em deter-se na simples exigência, que não coloca nem pode colocar seriamente em prática. Acredita colocar em prática aquela negação pelo fato de voltar as costas à filosofia e de resmungar, olhando para o lado oposto, umas tantas frases banais e mal-humoradas. A limitação de seu horizonte visual não inclui também a filosofia da realidade alemã no Estreito de Bering, nem chega a imaginá-la quimericamente, inclusive, entre a prática alemã e as teorias que a servem. Exige-se uma conexão com os germes reais da vida, mas esquece-se que o germe real da vida do povo alemão só brotou, até agora, de sua caixa craniana. Numa palavra, não podereis superar a filosofia sem realizá-la.
A mesma injustiça, só que com fatores inversos, cometeu o partido político teórico, que partia da filosofia.
Este partido só via na luta atual a luta critica da filosofia com o mundo alemão, sem imaginar sequer que a filosofia anterior pertencia ela mesma a este mundo e era um complemento, ainda que apenas seu complemento ideal. Assumia uma atitude crítica frente à parte contrária, mas não adotava um comportamento crítico para consigo mesmo, já que partia das premissas da filosofia e, ou se detinha em seus resultados adquiridos ou apresentava como postulados e resultados diretos da filosofia, os postulados e resultados de outra origem, embora estes supondo que sejam legítimos - só podem manter-se de pé, pelo contrário, mediante a negação da filosofia anterior, da filosofia como tal. Propomo-nos a tratar mais a fundo deste partido. Seu erro fundamental pode resumir-se assim: acreditava poder realizar a filosofia sem superá-la.
A crítica da filosofia alemã do direito e do Estado, que encontra em Hegel sua expressão máxima, a mais conseqüente e a mais rica, é simultaneamente as duas coisas, tanto a análise crítica do Estado moderno e da realidade a ele relacionada como a negação decisiva de todo o modo anterior de consciência política e jurídica alemã, cuja expressão mais nobre, mais universal, elevada à ciência, é precisamente a mesma filosofia especulativa do direito. Assim como a filosofia especulativa do direito - este pensamento abstrato e superabundante do Estado moderno cuja realidade continua a ser o além, apesar deste além se encontrar do outro lado do Reno - só poderia processar-se na Alemanha, assim também, por sua vez e inversamente, a imagem alemã, conceitual, do Estado moderno - abstraída do homem real - só se tornou uma possibilidade porque e enquanto o mesmo Estado moderno se abstrai do homem real ou satisfaz o homem total de modo puramente imaginário. Em política, os alemães pensam o que os outros povos fazem. A Alemanha era sua consciência teórica. A abstração e a arrogância de seu pensamento corria sempre em parelha com a limitação e a mesquinhez de sua realidade. Por conseguinte, se o status quo do Estado alemão exprime a perfeição do antigo regime, o acabamento da lança cravada no Estado moderno, o status quo da consciência do Estado alemão expressa a imperfeição do Estado moderno, a falta de consistência de seu próprio corpo
Enquanto adversário decidido do modo anterior de consciência política alemã, o Estado orienta a crítica da filosofia especulativa do direito não para si mesma, mas para tarefas cuja solução exige apenas um meio: a prática.
Indagamo-nos: pode a Alemanha chegar a uma prática à la hauter des principes [à altura dos princípios], isto é, a uma revolução que a eleve não só ao nível oficial dos povos modernos mas, também, ao nível humano que será o futuro imediato destes povos!
As armas da crítica não podem, de fato, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta por força material, mas a teoria também se converte em força material uma vez que se apossa dos homens. A teoria é capaz de
prender os homens desde que demonstre sua verdade face ao homem, desde que se torne radical. Ser radical é atacar o problema em suas raízes. Para o homem, porém, a raiz é o próprio homem. A prova evidente do radicalismo da teoria alemã e, portanto, de sua energia prática, consiste em saber partir decididamente da superação positiva da religião. A crítica da religião derruba a idéia do homem cama essência suprema para si próprio. Por conseguinte, com o imperativo categórico mudam todas as relações em que o homem é um ser humilhado, subjugado, abandonado e desprezível, relações que nada poderia ilustrar melhor do que aquela exclamação de um francês ao tomar conhecimento da existência de um projeto de criação do imposto sobre cães: Pobres cães! Querem tratá-los como se fossem pessoas!
Até historicamente a emancipação teórica tem um interesse especificamente prático para a Alemanha. O passado revolucionário da Alemanha é, de fato, um passado histórico: é a Reforma. Como então no cérebro do frade, a revolução começa agora no cérebro do filósofo.
Lutero venceu efetivamente a servidão pela devoção porque a substituiu pela servidão da convicção. Acabou com a fé na autoridade porque restaurou a autoridade da fé. Converteu sacerdotes em leigos porque tinha convertido leigos em sacerdotes. Libertou o homem da religiosidade externa porque erigiu a religiosidade no interior do homem. Emancipou o corpo das cadeias porque sujeitou de cadeias o coração.
Mas, se o protestantismo não foi a verdadeira solução, representou a verdadeira colocação do problema. Já não se tratava da luta do leigo com o sacerdote que existe fora dele, mas da luta com o sacerdote que existe dentro de si próprio, com sua natureza sacerdotal. E, se a transformação protestante do leigo alemão em sacerdote emancipou os papas leigos, os príncipes, com toda sua clerezia, se emancipou privilegiados e filisteus, a transformação filosófica dos alemães com espírito sacerdotal em homens emancipará o povo. Mas, do mesmo modo que a emancipação não se deteve nos príncipes, tampouco a secularização dos bens se deterá no despojo da igreja, realizada sobretudo pela hipócrita Prússia. A guerra dos camponeses, fato mais radical da história alemã, lançou-se contra a teologia. Hoje, com o fracasso da própria teologia, o fato mais servil da história alemã, nosso status quo, se lançará contra a filosofia. As vésperas da Reforma, a Alemanha oficial era o servo mais submisso de Roma. As vésperas de sua revolução, é o servo submisso de algo menos que Roma, Prússia e Áustria, de fidalguetos rurais e filisteus,
Não obstante, uma dificuldade fundamental parece opor-se a uma revolução alemã radical.
Com efeito, as revoluções necessitam de um elemento passivo, de uma base material. A teoria só se realiza numa nação na medida que é a realização de suas necessidades. Ora, ao imenso divórcio existente entre os postulados do pensamento alemão e as respostas da realidade alemã corresponderá o mesmo
divórcio existente entre a sociedade alemã e o Estado e consigo mesma! Não basta que o pensamento estimule sua realização; é necessário que esta mesma realidade estimule o pensamento -
Todavia, a Alemanha não escalou simultaneamente com os povos modernos as fases intermediárias da emancipação política. Praticamente,. não chegou sequer às fases que superou teoricamente. Como poderia, de um salto mortal, remontar-se não só sobre seus próprios limites, como também e ao mesmo tempo, sobre os limites dos povos modernos, sobre limites que na realidade devia sentir e aos quais devia aspirar como a emancipação de seus limites reais! Uma revolução radical só pode ser a revolução de necessidades radicais, cujas premissas e lugares de origem parecem faltar completamente.
Não obstante, se a Alemanha só abstratamente acompanhou o desenvolvimento dos povos modernos, sem chegar a participar ativamente das lutas reais deste, não é menos verdade que, de outro lado, partilhou os sofrimentos deste mesmo desenvolvimento, sem usufruir seus benefícios e satisfações parciais. A atividade abstrata de um lado, corresponde o sofrimento abstrato do outro. Assim, numa bela manhã, a Alemanha se encontrará em nível idêntico à decadência européia antes mesmo de haver atingido o nível da emancipação européia. Poderíamos compará-la a um idólatra que agonizasse, vítima do cristianismo.
Fixemo-nos, antes de mais nada, nos governos alemães, e os veremos de tal modo impulsionados pelas condições da época, pela situação da Alemanha, pelo ponto de vista da cultura alemã e, finalmente, por seu próprio instinto certeiro, a combinar os defeitos civilizados do mundo dos Estados modernos, cujas vantagens não possuímos, com os defeitos bárbaros do antigo regime, de que nos podemos jactar até a saciedade, que a Alemanha, senão por prudência, pelo menos à falta desta tem que participar cada vez mais da constituição de Estados que estão muito além de seu status quo. Acaso, por exemplo, há no mundo algum país que partilhe tão simplesmente como a chamada Alemanha constitucional todas as ilusões do Estado constitucional sem partilhar de suas realidades. Ou não teria que ser necessariamente uma ocorrência do governo alemão o fato de associar os tormentos da censura aos tormentos das leis de setembro na França, que pressupõem a liberdade de imprensa. Assim como no panteão romano se reuniam os deuses de todas as nações, no sacro império romano germânico se reúnem os pecados de todas as formas de estado. Que este ecletismo chegará a alcançar um nível até hoje inimaginado, o garante, de fato, o enfado estético-político de um monarca alemão que aspira desempenhar, se não através da pessoa do povo, pelo menos em sua própria, se não para o povo, pelo menos para si mesmo, todos os papéis da monarquia: a feudal e a burocrática, a absoluta e a constitucional, a autocrática e a democrática. A Alemanha, como a ausência do presente político constituído num mundo próprio, não poderá derrubar as barreiras especificamente alemães sem derrubar a barreira geral do presente político.
Para a Alemanha, o sonho utópico não é a revolução radical, não é a emancipação humana geral, mas, ao contrário, a revolução parcial, a revolução meramente política, a revolução que deixa de pé os pilares do edifício. Sobre o que repousa uma revolução parcial, uma revolução meramente política? No fato de emancipar uma parte da sociedade burguesa e de instaurar sua dominação geral, no fato de uma determinada classe empreender a emancipação geral da sociedade a partir de sua situação especial. Esta classe emancipa toda a sociedade, mas apenas sob a hipótese de que toda a sociedade se encontre na situação desta classe, isto é, que possua, por exemplo, dinheiro e cultura ou que possa adquiri-los.
Nenhuma classe da sociedade burguesa pode desempenhar este papel sem provocar um momento de entusiasmo em si e na massa, momento durante o qual confraterniza e se funde com a sociedade em geral, com ela se confunde e é sentida e reconhecida como seu representante geral, que suas pretensões e direitos são, na verdade, os direitos e ai pretensões da própria sociedade, que esta classe é realmente o cérebro e o coração da sociedade. Somente em nome dos direitos gerais da sociedade pode uma classe especial reivindicar para si a dominação geral. E, para atingir esta posição emancipadora e poder, portanto, explorar politicamente todas as esferas da sociedade em benefício da própria esfera, não bastam por si sós a energia revolucionária e o amor próprio espiritual. Para que coincidam a revolução de um povo e a emancipação de uma classe especial da sociedade burguesa, para que uma classe valha por toda a sociedade, é necessário, pelo contrário, que todos os defeitos da sociedade se condensem numa classe, que uma determinada classe resuma em si a repulsa geral, que seja a incorporação do obstáculo geral; é necessário, para isto, que uma determinada esfera social seja considerada como crime notório de toda a sociedade, de tal modo que a emancipação desta esfera surja como autoemancipação geral. Para que um estado seja par excellenee o estado de libertação, é necessário que outro seja o estado de sujeição por antonomásia. O significado negativo geral da nobreza e do clero franceses condicionou a significação positiva geral da classe inicialmente delimitadora e contraposta, da burguesia.
Todavia, todas as classes especiais da Alemanha carecem de conseqüência, rigor, arrojo e intransigência capazes de convertê-las no representante negativo da sociedade. Além do mais, todas carecem da grandeza de espírito que pudesse identificar uma delas, ainda que momentaneamente, com o espírito do povo; todas carecem da genialidade que infunde o entusiasmo do poder político ao poder material, da intrepidez revolucionária que lança o desafio ao inimigo: Nada SOU e tudo deveria ser. Esse modesto egoísmo que faz valer e permite que outros também façam valer suas próprias limitações é o fundo básico da moral e da honradez de indivíduos e classes na Alemanha. Por isto, a relação existente entre as diversas esferas da sociedade alemã não é dramática, mas épica. Cada uma delas começa a sentir e a fazer chegar às outras suas pretensões, não ao se ver oprimida, mas quando as circunstâncias do momento, sem intervenção sua, criam uma base social sobre a qual, por sua vez, possa exercer pressão. Até mesmo o amor próprio moral da classe média alemã repousa sobre a consciência de ser o
representante geral da mediocridade filistéia de todas as demais classes. Portanto, não são apenas os reis alemães que ascendem ao trono mal à propos [Inoportunamente], mas todas as esferas da sociedade burguesa, que sofrem sua derrota antes de terem festejado a vitória, que desenvolvem seus próprios limites antes de terem ultrapassado os limites que se opõem a estes, que fazem valer sua pusilanimidade antes de fazer valer sua arrogância, de tal modo que até mesmo a oportunidade de desempenhar um grande papel desaparece antes de existir e que cada classe, tão logo começa a lutar com aquela que lhe está acima, vê-se envolvida na luta com aquela que lhe está abaixo. Daí porque os príncipes estão em luta contra a burguesia, os burocratas contra a nobreza e os burgueses contra todos eles, enquanto o proletário começa a lutar contra o burguês. A classe média nem sequer se atreve a conceber o pensamento da emancipação de seu ponto de vista, já que o desenvolvimento das condições sociais, do mesmo modo que o progresso da teoria política, se encarregam de revelar este mesmo ponto de vista como algo antiquado ou, pelo menos, problemático.
Na França, basta que alguém seja alguma coisa para querer ser todas as coisas. Na Alemanha, ninguém pode ser nada se não quiser renunciar a tudo. Na França, a emancipação parcial é o fundamento da emancipação universal. Na Alemanha, a emancipação universal é a conditio sine que non de toda emancipação parcial. Enquanto na França é a realidade da emancipação gradual que tem de engendrar a liberdade total, na Alemanha, ao contrário, é justamente a sua impossibilidade. Na França, toda classe é um político idealista que se sente como representante das necessidades sociais em geral, ao invés de sentir-se como representante de uma classe especial. Por isto, o papel emancipador passa por turnos, em movimento dramático, entre as distintas classes do povo francês até atingir, finalmente, a classe que já não realiza a liberdade social sob a hipótese de certas condições que se encontram à margem do homem e que, não obstante, foram criadas pela sociedade humana, mas que organiza todas as condições de existência a partir da hipótese da liberdade social. Pelo contrário, na Alemanha, onde a vida prática tão pouco tem de espiritual assim como a vida espiritual de prático, nenhuma classe da sociedade burguesa sente a necessidade nem a capacidade de emancipação geral até ver-se obrigada a isto por sua situação imediata, pela necessidade material, pelas suas próprias cadeias.
Onde reside, pois, a possibilidade positiva da emancipação alemã?
Resposta: na formação de uma classe com cadeias radicais, de uma classe da sociedade burguesa que não é uma classe da sociedade burguesa; de um estado que é a dissolução de. todos os estados; de uma esfera que possui um caráter universal por seus sofrimentos universais e que não reclama nenhum direito especial para si, porque não se comete contra ela nenhuma violência especial, senão a violência pura e simples; que já não pode apelar a um título histórico, mas simplesmente ao título humano; que não se encontra em nenhuma espécie de contraposição particular com as conseqüências, senão numa contraposição universal com as premissas do Estado alemão; de uma esfera, finalmente, que não pode emancipar-se sem se emancipar de todas as demais esferas da sociedade e, simultaneamente, de emancipar todas elas; que é, numa palavra, a perda total do homem e que, por conseguinte, só pode atingir seu objetivo
mediante a recuperação total do homem. Esta dissolução da sociedade como uma classe especial é o proletariado.
O proletariado só começa a surgir na Alemanha, mediante o movimento industrial que desponta, pois o que forma o proletariado não é a pobreza que nasce naturalmente, mas a pobreza que se produz artificialmente; não é a massa humana oprimida mecanicamente pelo peso da sociedade, mas aquela que brota da aguda dissolução desta e, em especial, da dissolução da classe média, ainda que gradualmente, como se compreende, venham a incorporar-se também a suas fileiras a pobreza natural e os servos cristãos-germânicos da gleba
Ao proclamar a dissolução da ordem universal anterior, o proletariado nada mais faz do que proclamar o segredo de sua própria existência, já que ele é a dissolução de fato desta ordem universal. Ao reclamar a negação da propriedade privada, o proletariado não faz outra coisa senão erigir a princípio de sociedade aquilo que a sociedade erigiu em princípio seu, o que já se personifica nele, sem intervenção de sua parte, como resultado negativo da sociedade. O proletariado está amparado, então, em relação ao mundo que nasce, da mesma razão que assiste o rei alemão em relação ao mundo existente, ao denominar o povo seu povo, como ao cavalo seu cavalo. Ao declarar o povo sua propriedade privada, o rei se limita a expressar que o proprietário privado é o rei.
Assim como a filosofia encontra no proletariado suas armas materiais, o proletariado encontra na filosofia suas armas espirituais. Com a mesma rapidez que o raio do pensamento penetra a fundo neste puro solo popular, se efetuará a emancipação dos alemães como homens.
Resumindo e concluindo:
A única emancipação praticamente possível da Alemanha é a emancipação do ponto de vista da teoria, que declara o homem essência suprema do homem. Na Alemanha, a emancipação da Idade Média só é possível como emancipação paralela das superações parciais da Idade Média. Na Alemanha, não se pode derrubar nenhum tipo de servidão sem derrubar todo tipo de servidão em geral. A meticulosa Alemanha não pode revolucionar sem revolucionar seu próprio fundamento. A emancipação do alemão é a e emancipação do homem. O cérebro desta emancipação é a filosofia; seu coração, o proletariado. A filosofia não pode se realizar sem a extinção do proletariado nem o proletariado pode ser abolido sem a realização da filosofia.
Quando se cumprirem todas as condições interiores, o canto do galo gaulês anunciará o dia da ressurreição da Alemanha.
Karl Marx, 1843

Flor do Atacama


Dedicado à Lili, pela inspiração e amizade.

Flor do Atacama
Deitada sobre a cama
Envolta num laço amarelo
Entre os dois travesseiros
Preenche o desejo
De estarmos mais perto
Do jeito que nos amamos

Nos acostumamos a nós
Envoltos por estes lençóis
Que agora servem só à flor
Símbolo do meu amor
E do pedido de recomeço
Para que a vida não cesse
Pois é a flor de minha essência

Flor celeste, verdadeira
A campina é sua casa
Ao vento peço “não a leve”
Fui arranjo, quero voltar a sê-lo
Desfrutar dos seus perfumes
Polinizar-me por seus beijos
E apaziguar o coração jardineiro

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Autor: Pablo Arruti

As coisas simples da vida
Estão escondidas
Atrás dos livros das bibliotecas;
Embaixo do pé
De uma menina sapeca;
No sorriso que se esconde
Do professor
Que se esqueceu de ensinar
Ou não aprendeu quando criança.

Expulso da sala
Entrei sempre no mundo
Alternativo
Discutindo com pessoas
Sobre comportamento
Liderança ou mau exemplo.
Para onde deveriam ter me levado?
Tenho gostado de onde fui parar...
Quanto tempo minha cegueira
Minha burrice
Meu sorriso
Ou minha voz ressoará?
Autor: Pablo Arruti

Eu não sou capaz
De escrever
Sem perguntar?
Eu não sou capaz
De escrever
Sem perguntar.
Quando um poeta afirma
Não sinto firmeza
Sinto que a beleza
É desabar
É cair de pára-quedas
A poesia é para mim
Como o chão numa queda livre
Desde muito alto.
Vejo o chão como algo lá longe
Cheio de detalhes
Assustador.
As coisas vão crescendo
Tomando forma
Meu destino
Incerto como depois da morte.
Caindo não sinto a firmeza
Mas tenho medo dela.
Vivendo não sinto a morte
Mas tenho medo dela.
As analogias se fundiram
A poesia tem sentido
Como a queda.
Porém não tem explicação
Não tem fundamento
Não tem saída
Como a queda
Como a morte
Como a vida
Como a poesia
Como tudo
Até estraçalhar os dentes
E os neurônios
E os cinco sentidos
Sem fundamento.

Poesia e Sexo


Ela me disse:
Incorporo a poesia
Sinto-a movendo-se lentamente
Arrepia meus braços
Enrijece minhas auréolas
Amolece meus quadris

Eu disse a ela:
Você faz sexo com a poesia
Permite que adentre
Deixa-a te bulir
Faz cruzar todo o teu corpo
Até relaxar em gozo

Ela chorou e quis transar comigo
Eu sorri e comecei pelo seu umbigo
Nos amamos entre largas estrofes e curtos versos
Sem discutir o conteúdo, palavras
Laborando o tema sobre a cama
Até eu pedir o ponto final
Até ela conceder-me o ponto e vírgula

Sou dos Raros


Eu sou dos loucos, destes imundos
Que vagam pelas ruas esbravejando insanidades;
E canções aos pássaros, outros que cantam sem motivo;
E mentiras aos políticos, outros que tagarelam falsos ideais;
E elogios às donzelas, outras que amam por amor;
E urros aos trabalhadores, outros que reivindicam o pão;
E silêncio aos covardes, outros que temem o próprio medo

Eu sou dos loucos e cultuo minha loucura
Hospiciu os outros nos olhos e transmito-lhes sangue-frio
Cultivo em mim um desespero, um destempero, um desalento
Brado ante o espelho embaçado no afã de assustar-me
Solto os cachorros, os urubus, as frangas, os cedros
Rumino noutros idiomas, balbucio dengos infantis
Recruto putas, mendigos, retardados, travestis

Eu sou dos loucos, pois sou ser sem sanidade
Não por falta de vontade, não por falta de remédio
Minha loucura deriva do tédio
Da prostração em que vivem meus meio-irmãos
Sou o motivo de suas gargalhadas e aborrecimentos
Sou aquele que busca um único momento
Para provar-lhes o quão loucos são

Exílio


Exilado no preconceito
O homem anda calado
Mira as ruas com desconfiança
Cerra os olhos ao olhar para o lado
Mede a distância entre as calçadas
Antecipa cada pisada
Parte da paisagem o incomoda
Vem e vai cheio de dúvidas de bolso
E respostas gravadas em seu córtex

O preconceito o aparta
Não terá vida em plenitude
Por causa de tua tola atitude
De refutar o homem, a mulher,
Pela cor do peito do pé
Pela opção na hora do sexo
Pela crença num deus qualquer
Pela visão quanto à pútrida política
...

Deixe-o seguir à parte
Deixe que vá à vontade
Mãos enfiadas nos bolsos
Suor escorrendo atrás do pescoço
Ele combina bem suas roupas
Não é qualquer um...

Numa transversal ele bate
Dá de cara com seu equívoco
O erro sempre nos procura
Espreitá-lo-á numa dessas curvas
E perceberá o quanto perdido
E sentirá as dores da espessa esfera
Vibrando em sua cabeça e seu peito

Porquanto quem sabe amar não diminui
Porquanto quem sabe raciocinar não subestima
Ele constatará esta teoria e se sentirá uma pulga
Um ser ultrajantemente esquisito, muito mais
Do que aqueles pelos quais nutria ojeriza

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Mulheres, mulheres

Como tudo remete a um começo:
Corri o olho sobre o muro de pessoas e te avistei
Fui indiscreto, traidor da cautela
Homem de adorar inflamavelmente faminto
Fui até ti

E o que te disse?
- Olá senhorita, como vai sua pessoa?
-Sou um rapaz de fácil paixão, de pleno desejo
-Quero cada moça que traz nos olhos um punhado de beijos
-Horas de prazer e risada, amor relaxado e sem pressa
-Cabelos entrando na boca molhada e cintilados pelo batom
-Esmalte vinho quase todo gasto e não menos chamativo
-Palavras sinceras como estas e esperança nos ouvidos

O que me respondeu?
Sim, isto foi uma cantada!
Pergunta sem resposta, você não me disse nada!
Nem um escorregadio sorriso

Seus braços permaneceram cruzados
Saberia se houve gostado, você odiou
Os dizeres que entoaram por teu vestido

Não seria fácil esquecê-la
Sou do tipo que gosta do que é difícil
Como ensinar a uma mulher "moderna" e pouco sensível
O valor do flerte poético criado em tributo ao teu lindo tipo

Pois que eu morra pela boca alheia,
Pois que pichem meu nome no ralo.
Eu, traçando a cruzada entre os muros de concreto,
O transpor de uma nova era de sonhos.
Eu, encarando os olhares bisbilhoteiros,
Interligando as curiosidades à alma.
Eu, redirecionando os fios da rede e balançando
Os cabelos embolados nos lençóis do tempo.

Sou um tanto de tantos outros todos à mesa.
Fui raiar do dia e teu pôr sobre as águas.
Corrente das minhas entranhas transparentes.
Espírito vivo da melhor maneira de libertar-se.
Eco de zumbido nos minúsculos labirintos.
Passo fácil para a difícil reflexão.

Metonímia do devaneio


Aprendi num sonho, por isso acabei esquecendo.
Não experimentei acordado o que me foi passado
E amplamente exercitado enquanto dormia.

Veja só, não me lembro do que falo.
Só sei que vivi algo no sonho e não mais consigo achá-lo,
Sinto um amor dilacerante mas não vejo o outro sujeito.

Lembro-me de passar a limpo os garranchos
Que anotavam o pensamento que agora silencia.

Lembro-me de me cutucar para não deixar escapar,
Tamanha era a importância do que aprendia.

Recordo-me do fascínio resultante, no entanto,
Me faltam os alicerces de tanto recrudescimento.

Poderia passar horas falando sobre, afinal,
Passo horas sem saber o porquê do que costumo fazer.

Porém,
Me limito a dizer como esqueci o que gostaria de saber,
O que pude conhecer sonhando e acordado acabei perdendo.

Autor: Xis

O riso tem pressa
comprimindo a graça
levando a vida fera

se passas e nao vê
é como se jamais tivesse passado

p'ra que maquinar uma viagem
se tenho pernas e braços
músculos e esqueletos
que me levam aonde vão

meus passos?
pensamentos desdobrados

em sã consciência vejo tudo claramente
calmamente há desordem na cidade

procura-se a tempestade
onde demograficamente há menos gente

e vive-se pelo avesso
contorcendo-se em belos ternos
tortos doutores
distorcendo o real

vive-se desigual

procuro a paz de ter
no tempo o descontar das horas.

Momentos meus

Autor: Lucas Pedreira

Há momentos, em o que mais queremos é voar,
não importa como, mas o que importa é voar!!!
Voar de avião, de carro de moto de ônibus, voar
com a mente, em momentos que são só seus, só meus...
Ao olhar para o lado vemos algo sempre parado, alguém sempre parado.
Vamos fazer incentivos motivacionais, fiscais, para que todos
possam voar... voar lá em cima, bem alto !!!!!!!
Cuidado é algo que devemos ter, senão a gente voa lá em baixo,
como boa parte do que vemos ao redor e de quem vemos ao redor.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Pensar...


Autor: Tiago KT


Penso, os causos de Homero,
As aventuras de Dante
O mundo mutante
A sonda lunar

O enlace da minha psique neural em um micro segundo me atordoa
Pasmo de inúmeras desconstruções em um único momento lúdico
Ajo, enquanto ainda posso conceber o mundo

Escrever?
Enquanto os sentidos ainda me permitem
Inebriado pelo inconcebível
Toco sutil o limiar do pensamento humano
Escondo-me da morna rotina,
Lanço-me aos percalços dolorosos do questionar pulsando

Fazer acreditar não me é dado escolher, talvez romper
Expressar e expandir, aturdir o inquebrantável
Prosopopéia de falácias
Masco as idéias, penso, não acho.

Enquanto dissemino as incertezas,
Rompo conscientemente o feroz caleidoscópio inconcebível
No qual embarquei para jamais retornar,
Sem antes registrar tudo aquilo que em meu peito avulta
A que pese a labuta, pesa ainda mais o pensar...

Ó quanto responsabilidade vos entrego
Não a de pensar por mim, mas de romper-me, ultrapassa-me!
Solicito, supera-me no eterno âmago do conhecimento,
A inconcebível narrativa,
Conhece-te, Interpreta-me, faz-te o teu criador e mestre

Expressão tenaz e imaterial do sentimento do mundo
Atiro-me do precipício,
Donde outrora padecia no conforto e imutabilidade,
Vivo do povo os sentimentos mundanos, os conflitos eternos

Sinto a mim mesmo o desconforto perpetuo
Do espírito inquieto,
Da matéria perplexa
Da passagem eterna, pelo continuo pensar

Batalho contra o inevitável,
Torno-me assim mais forte
E alio-me a todos aqueles que cantaram
Às imutáveis estruturas, o doce sibilo da morte

Tão grande assim a virtude
De a todos tocar
Pelo minúsculo fragmento da magnitude filosófica
Enquanto os freios não me batem a porta,
O que mais quero é o pensar...

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO (Aldous Huxley)

PREFÁCIO
Todos os moralistas estão de acordo em que o remorso crônico é um sentimento dos mais indesejáveis. Se uma pessoa procedeu mal, arrependa-se, faca as reparações que puder e trate de comportar-se melhor na próxima vez. Não deve, de modo nenhum, pôr-se a remoer suas más ações. Espojar-se na lama não é a melhor maneira de ficar limpo.
A arte possui também sua moralidade, e muitas das regras desta são iguais, ou pelo menos análogas, às da ética comum. O remorso, por exemplo, é tão indesejável com relação à nossa arte de má qualidade quanto com relação ao nosso mau comportamento.
A má qualidade deve ser identificada, reconhecida e, se possível, evitada no futuro.
Esmiuçar as deficiências literárias de vinte anos atrás, tentar remendar uma obra defeituosa para levá-la à perfeição que não teve em sua primeira forma, passar a nossa meia-idade procurando remediar os pecados artísticos cometidos e legados por aquela outra pessoa que éramos nós na juventude — tudo isso, certamente, é vão e infrutífero.
Eis por que este novo Admirável Mundo Novo sai igual ao antigo. Seus defeitos como obra de arte são consideráveis; mas para corrigi-los, eu teria de reescrever o livro — e, ao reescrevê-lo, como uma outra pessoa, mais velha, provavelmente eliminaria não apenas as falhas da narrativa, mas também os méritos que pudesse ter tido originariamente.
Assim, resistindo à tentação de chafurdar no remorso artístico, prefiro deixar o bom e o mau como estão e pensar em outra coisa.
Entretanto, parece-me que vale a pena mencionar pelo menos o defeito mais grave do romance, que é o seguinte: O Selvagem é posto diante de duas alternativas apenas, uma vida de insanidade na Utopia, ou a vida de um primitivo numa aldeia de índios, vida esta mais humana em alguns aspectos, mas, em outros, pouco menos estranha e anormal. Na época em que foi escrito o livro, eu achava divertida e muito possivelmente verdadeira a idéia de que os seres humanos são dotados de livre arbítrio para escolherem entre a insanidade, de um lado, e a demência, de outro. Contudo, o Selvagem muitas vezes fala mais racionalmente do que, a rigor, o justificaria sua formação entre os praticantes de uma religião que é um misto de culto da fertilidade e de ferocidade de Penitentes. Nem mesmo o conhecimento de Shakespeare poderia justificar, na verdade, tais manifestações. E no fim, por certo, ele é levado a recuar da sanidade mental; o penitentismo nativo reafirma sua autoridade e o Selvagem acaba na autotortura maníaca e no desespero suicida. "E assim morreram sempre infelizes" — para satisfação do divertido e pirrônico esteta que era o autor da fábula.
Hoje não sinto o menor desejo de demonstrar que a sanidade é impossível. Pelo contrário, embora continue não menos tristemente certo que no passado de que a sanidade é um fenômeno bastante raro, estou convencido de que ela pode ser alcançada, e gostaria de vê-la mais difundida. Por ter dito isso em diversos livros recentes e, acima de tudo, por ter compilado uma antologia do que disseram os sãos de espírito acerca da sanidade e de todos os meios pelos quais ela pode ser obtida, ouvi de um eminente crítico acadêmico a observação de que eu sou um triste sintoma do fracasso de uma classe intelectual em tempo de crise. A inferência é, suponho, que o professor e seus colegas são alegres sintomas de êxito. Os benfeitores da humanidade merecem as honras e a comemoração devidas. Construamos um Panteão para os professores.
Deveria localizar-se entre as ruínas de uma das cidades destruídas da Europa ou do Japão, e acima da entrada eu inscreveria, em letras de seis ou sete pés de altura, estas simples palavras:

Consagrado à Memória dos Educadores do Mundo. SI MONUMENTUM
REQUIRIS CIRCUMSPICE.

Mas, voltando ao futuro. . . Se eu reescrevesse o livro agora, ofereceria uma terceira alternativa ao Selvagem. Entre as duas pontas do seu dilema, a utópica e a primitiva, estaria a possibilidade de alcançar a sanidade de espírito — possibilidade já realizada, até certo ponto, numa comunidade de exilados e refugiados do Admirável Mundo Novo, estabelecidos dentro dos limites da Reserva. Nessa comunidade, a economia seria descentralista e georgista, e a política, kropotkiniana e cooperativista. A ciência e a tecnologia seriam usadas como se, a exemplo do sábado, tivessem sido feitas para o homem e não (como no presente e ainda mais no Admirável Mundo Novo) como se o homem tivesse de ser adaptado e escravizado a elas. A religião seria a procura consciente e inteligente do Objetivo Final do homem, a busca do conhecimento unitivo do Tão imanente ou Logos, da Divindade transcendente ou Brama. E a filosofia de vida predominante seria uma espécie de Utilitarismo Superior, em que o princípio da Maior Felicidade ocuparia posição secundária em relação ao do Objetivo Final — e a primeira pergunta a ser formulada e respondida em qualquer contingência da vida seria: "De que modo este pensamento ou ato ajudará ou impedirá a consecução, por mim e pelo maior número possível de outros indivíduos, do Objetivo Final do homem? "Educado entre os primitivos, o Selvagem (nesta hipotética nova versão do livro) não seria transportado para a Utopia senão depois de ter tido a oportunidade de aprender algo em primeira mão sobre a natureza de uma sociedade composta de indivíduos em livre cooperação, dedicados à busca da sanidade de espírito. Assim alterado, Admirável Mundo Novo possuiria uma inteireza artística e filosófica (se é permissível usar uma palavra tão importante a propósito de uma obra de ficção) que, em sua forma atual, evidentemente lhe falta.
Mas Admirável Mundo Novo é um livro sobre o futuro e, sejam quais forem suas qualidades artísticas ou filosóficas, um livro desse tipo só nos poderá interessar se suas profecias derem a impressão de poderem, concebivelmente, vira realizar-se. Do nosso atual posto de observação, quinze anos mais abaixo no plano inclinado da história moderna, até que ponto seus prognósticos parecem plausíveis? Que aconteceu no penoso intervalo para confirmar ou invalidar as predições de 1931?
Uma vasta e óbvia falha de previsão é imediatamente v\s(ve\. Admirável Mundo. Novo não contém nenhuma referência à fissão nuclear. Essa omissão é, na verdade, um tanto curiosa, pois que as possibilidades da energia nuclear tinham sido tópico comum de conversas durante anos antes de ser escrito o livro. Meu velho amigo Robert Nichols escrevera, até, um drama de sucesso a respeito do assunto, e lembro-me que eu próprio o mencionara de passagem num romance publicado em fins do decênio de vinte. De modo que, como digo acima, parece muito curioso que os foguetes e helicópteros do sétimo século de Nosso Ford não fossem movidos por núcleos de desintegração. O lapso pode não ser desculpável; mas é, pelo menos, fácil de explicar. O tema de Admirável Mundo Novo não é o avanço da ciência em si mesmo; é esse avanço na medida em que afeta os seres humanos. Os triunfos da física, da química e da engenharia são tacitamente dados por supostos. Os únicos progressos científicos descritos especificamente são os que se relacionam com a aplicação aos seres humanos dos resultados de futuras pesquisas nos terrenos da biologia, da fisiologia e da psicologia. É somente por meio das ciências da vida que se pode mudar radicalmente a qualidade desta. As ciências da matéria podem ser aplicadas de tal modo que destruam a vida ou a tornem impossível mente complexa e desconfortável; mas, a não ser que sejam usadas como instrumentos pelos biologistas e psicólogos, nada podem fazer para modificar as formas e expressões naturais da própria vida. A liberação da energia atômica assinala uma grande evolução na história humana, porém não (salvo se nos fizermos saltar pelos
ares e assim pusermos ponto final à história) a revolução final e mais profunda.
Essa revolução verdadeiramente revolucionária deverá ser realizada, não no mundo exterior, mas sim na alma e na carne dos seres humanos. Vivendo, como viveu, num período revolucionário, o Marquês de Sade fez uso, muito naturalmente, dessa teoria das revoluções para racionalizar seu tipo peculiar de insanidade. Robespierre havia realizado a espécie de revolução mais superficial, a política. Penetrando um pouco mais fundo, Babeuf tentara a revolução econômica. Sade considerava-se o apóstolo da revolução verdadeiramente revolucionária, que iria mais além da mera política e economia — a revolução dos indivíduos, homens, mulheres e crianças, cujos corpos se tornariam, de então em diante, a propriedade sexual comum, e cujas mentes deveriam ser expurgadas de todas as decências naturais, de todas as inibições laboriosamente adquiridas da civilização tradicional. Entre a doutrina de Sade e a revolução verdadeiramente revolucionária não há, por certo, nenhuma relação necessária ou inevitável; Sade era um lunático, e a meta mais ou menos consciente de sua revolução era a destruição e o caos universal. Os homens que governam o Admirável Mundo Novo podem não ser sãos de espírito (no que se poderia chamar o sentido absoluto da expressão); mas não são loucos. Sua meta não é a anarquia, e sim a estabilidade social.
É para alcançar essa estabilidade que eles realizam, por meios científicos, a revolução última, pessoal, verdadeiramente revolucionária.
Enquanto isso, porém, estamos na primeira fase do que talvez seja a penúltima revolução. Sua fase seguinte poderá ser a guerra atômica, e nesse caso não nos precisamos preocupar com profecias sobre o futuro. Mas é concebível que tenhamos bastante bom senso, se não para pôr fim a todas as lutas, pelo menos para nos portarmos de maneira tão racional como o fizeram nossos antepassados do século XVIII.
Os horrores inimagináveis da Guerra dos Trinta Anos constituíram-se realmente numa lição para os homens, e por mais de cem anos os políticos e generais da Europa resistiram conscientemente à tentação de empregar seus recursos militares até os limites da destrutividade ou (na maioria dos conflitos) de continuar a combater até que o inimigo fosse inteiramente aniquilado. Eram agressores, sem dúvida, ávidos de lucro e de glória; mas eram também conservadores, decididos a manter, a todo custo, intato o seu mundo como um mecanismo em condições de funcionamento. Nos últimos trinta anos, não tem havido conservadores, apenas radicais nacionalistas da direita e radicais nacionalistas da esquerda. O último estadista conservador foi o quinto Marquês de Lansdowne; e, quando ele escreveu uma carta a The Times sugerindo que a Primeira Guerra Mundial deveria ser concluída por meio de um acordo, como o tinham sido, em sua maioria, as guerras do século XVI11, o diretor daquele jornal antigamente conservador se recusou a publicá-la.
Os radicais nacionalistas impuseram sua vontade, com as conseqüências que todos conhecemos — bolchevismo, fascismo, inflação, depressão, Hitler, a Segunda Guerra Mundial, a ruína da Europa e a fome quase universal.
Supondo, pois, que seremos capazes de aprender tão bem com Hiroxima como nossos antepassados aprenderam com Magdeburgo, podemos esperar um período, não de paz, na verdade, mas sim de guerra limitada e apenas parcialmente ruinosa. Durante esse período, pode-se presumir que a energia nuclear será utilizada para fins industriais.
O resultado, como é bastante óbvio, será uma série de mudanças econômicas e sociais sem precedentes na sua rapidez e totalidade. Todos os padrões de vida humana existentes serão rompidos, e terão de improvisar-se novos padrões em conformidade com o fato não-humano da força atômica. O cientista nuclear, Procrusto em roupagem moderna, preparará a cama em que a humanidade deverá deitar-se; e se a humanidade não se ajustar — pois tanto pior para ela. Terá de haver alguns esticamentos e algumas amputações — o mesmo tipo de esticamentos e amputações que vêm ocorrendo desde que a ciência aplicada realmente se pôs em marcha; apenas, desta vez, serão bem mais drásticos do que no passado. Essas operações nada indolores serão dirigidas por governos totalitários altamente centralizados/Isso é inevitável, porquanto o futuro imediato deverá parecer-se ao passado imediato, em que as mudanças tecnológicas rápidas, verificando-se numa economia de produção em massa e entre uma população predominantemente destituída de posses, sempre tenderam a provocar a confusão econômica e social. Para enfrentar a confusão, o poder tem sido centralizado e o controle governamental aumentado. É provável que todos os governos do mundo venham a ser mais ou menos completamente totalitários mesmo antes da utilização da energia nuclear; que o serão durante e após essa utilização, parece quase certo. Só um movimento popular em grande escala para a descentralização e a iniciativa local poderá deter a atual tendência para o estatismo. Presentemente, não existe nenhum sinal de que venha a ocorrer tal movimento.
Não há, por certo, nenhuma razão para que os novos totalitarismos se assemelhem aos antigos. O governo pelos cassetetes e pelotões de fuzilamento, pela carestia artificial, pelas prisões e deportações em massa, não é simplesmente desumano (ninguém se importa muito com isso hoje em dia); é, de maneira demonstrável, ineficiente — e numa época de tecnologia avançada a ineficiência é o pecado contra o Espírito Santo. Um estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que o executivo todo-poderoso de chefes políticos e seu exército de administradores controlassem uma população de escravos que não tivessem de ser coagidos porque amariam sua servidão.
Fazer com que eles a amem é a tarefa confiada, nos estados totalitários de hoje, aos ministérios de propaganda, diretores de jornais e professores. Seus métodos, porém, são ainda primitivos e pouco científicos. A afirmação jactanciosa dos antigos jesuítas, de que, se lhes fosse dado educara criança, se responsabilizariam pelas opiniões religiosas do homem, não era mais do que o produto da racionalização de um desejo. E o pedagogo moderno é, com toda probabilidade, bem menos eficiente no condicionamento dos reflexos de seus alunos do que o eram os reverendos padres que educaram Voltaire. Os maiores triunfos da propaganda têm sido obtidos, não por atos positivos, mas pela abstenção. Grande é a verdade, mas ainda maior, do ponto de vista prático, é o silêncio em torno da verdade. Pela simples abstenção de mencionar certos assuntos, pela interposição do que o Sr. Churchill denomina uma "cortina de ferro" entre as massas e os fatos ou argumentos que os chefes políticos locais consideram indesejáveis, os propagandistas totalitários têm influenciado a opinião com muito mais eficácia do que poderiam tê-lo feito pelas mais eloqüentes invectivas, pelas mais convincentes refutações lógicas. Mas o silêncio não basta. Se se quiser evitar a perseguição, a liquidação e outros sintomas de atrito social, os aspectos positivos da propaganda deverão ser tornados tão eficazes como os aspectos negativos. Os mais importantes Projetos Manhattan do futuro serão vastas pesquisas, sob patrocínio governamental, em torno do que os políticos e os cientistas participantes chamarão "o problema da felicidade" — em outras palavras, o problema de fazer com que as pessoas amem sua servidão. Sem segurança econômica, o amor à servidão simplesmente não pode existir; para maior brevidade, dou por suposto que o todo-poderoso executivo e seus administradores conseguirão resolver o problema da segurança permanente. Mas a segurança tende a tornar-se em muito pouco tempo uma coisa aceita como normal. Sua realização constitui uma revolução meramente superficial, externa. O amor à servidão não pode ser instituído senão como fruto de uma profunda revolução pessoal nas mentes e nos corpos humanos. Para efetuar essa revolução precisamos, entre outras coisas, das descobertas e invenções enumeradas a seguir. Primeiro, uma técnica de sugestão consideravelmente aperfeiçoada — pelo condicionamento infantil e,mais tarde, com o auxílio de drogas, como a escopolamina.
Segundo, uma ciência completamente desenvolvida das diferenças humanas, que permita aos administradores encaminhar qualquer indivíduo ao seu devido lugar na hierarquia social e econômica. (As pessoas mal adaptadas à sua posição tendem a alimentar pensamentos perigosos sobre o sistema social e a contagiar os outros com seus descontentamentos.) Terceiro (uma vez que a realidade, por mais utópica que seja, é algo de que as pessoas precisam tirar férias com bastante freqüência), um substituto para o álcool e os outros narcóticos, que seja ao mesmo tempo menos nocivo e mais produtor de prazer que o gim ou a heroína. E quarto (mas este seria um projeto a longo prazo, que demandaria gerações de controle totalitário para ser levado a bom termo), um sistema infalível de eugenia, destinado a padronizar o produto humano, facilitando assim a tarefa dos administradores. Em Admirável Mundo Novo essa padronização do produto humano foi levada a extremos fantásticos, embora não, talvez, impossíveis. Técnica e ideologicamente, ainda estamos muito longe dos bebês enfrascados e dos grupos Bokanovsky de semi-aleijões. Mas, pelo ano 600 D. F., quem sabe o que não estará acontecendo? Entrementes, as outras características desse mundo mais feliz e mais estável — os equivalentes do soma e da hipnopedia, e o sistema científico de castas — não estão, provavelmente, a mais de três ou quatro gerações de nós. E a promiscuidade sexual de Admirável Mundo Novo também não parece tão distante. Já existem cidades norte-americanas em que o número de divórcios é igual ao de casamentos. Dentro de poucos anos, sem dúvida, licenças para casamento serão vendidas como as licenças para a posse de cães, válidas por um período de doze meses, sem nenhuma lei que proíba a troca de cães ou a posse de mais de um cão de cada vez. À medida que diminui a liberdade política e econômica, a liberdade sexual tende a aumentar em compensação.
E o ditador (a não ser que precise de carne para canhão e de famílias para colonizar territórios despovoados ou conquistados) agirá prudentemente estimulando essa liberdade. Em conjunção com a liberdade de sonhar sob a influência das drogas, do cinema e do rádio, ela ajudará a reconciliar os súditos com a servidão que é o seu destino.
Tudo considerado, a Utopia parece estar muito mais perto de nós do que qualquer pessoa, apenas quinze anos atrás, poderia imaginar. Nessa época, eu a projetei para daqui a seiscentos anos. Hoje parece perfeitamente possível que o horror esteja entre nós dentro de um único século. Isto é, se nos abstivermos de nos fazer saltar pelos ares em pedaços antes disso. Na verdade, a menos que prefiramos a descentralização e o emprego da ciência aplicada, não como o fim a que os seres humanos deverão servir de meios, mas como o meio de produzir uma raça de indivíduos livres, teremos apenas duas alternativas: ou diversos totalitarismos nacionais militarizados, tendo como raiz o terror da bomba atômica e como conseqüência a destruição da civilização (ou, no caso de guerras limitadas, a perpetuação do militarismo); ou então um totalitarismo supranacional suscitado pelo caos social resultante do progresso tecnológico, e em particular da energia atômica, totalitarismo esse que se transformará, ante a necessidade de eficiência e estabilidade, na tirania assistencial da Utopia. É escolher.
1946

Jesus Cristo visita Lula

Lula discursava para dezenas de milhares de pessoas no Anhangabaú em SP, quando aparece
Jesus Cristo baixando lentamente do céu.

Quando Jesus chegou ao lado de Lula, lhe disse algo ao ouvido.

Então Lula dirigindo-se à multidão diz:
- Atenção companheiros! O companheiro Jesus Cristo aqui quer dizer umas palavras para vocês.

Jesus pega o microfone e diz:
-Povo brasileiro, este homem que tem barba como eu, não lhes deu o pão do conhecimento da mesma forma que eu fiz?

O povo responde:
-Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!

-Não é verdade que, assim como eu multipliquei os pães e peixes para dar de comer a todos, este homem inventou o fome zero para que todos pudessem se alimentar?
-Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim! respondeu o povão.

-Não é verdade que assegurou tratamento médico e remédios para os pobres, assim como eu curei os enfermos?
O povo grita:
-Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!

-Não foi traído por companheiros de partido, assim como eu fui traído por Judas?
O povo então gritou ainda mais forte:
-Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!
-Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!
-Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!

- E o que vocês estão esperando para crucificar esse filho da puta ?

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Devagar, rapidamente


.
As dúvidas quanto à mim
Fizeram-me questionar tudo
E vi que não sou eu tão errado
Mais errado é o resto de mundo
.
Meus defeitos, em parte,
Partem do intrincado universo
De meias verdades, no qual
Vivo inserido, mas estou atento
.
Meu espírito respira inquieto
Sufocado pelo denso ar poluído
Entende o disparate da humanidade
E brada pela plena revolução interna
.
Existo neste errôneo rumo de tantos
Mas meu traço vai tornando-se vário
Sou avesso à grande parte do caos
Do mundo que tenta fazer-me de otário
.
.
Depois de ler este poema, George Diniz obteve uma luz do seu espírito em construção e me veio com estes versos que aqui se vão:
.
direto, obliquo ou transverso
um ponto nesta circunferência
afagos? são várias lembranças
um caos neste mundo indigesto
sabido que não voltarei
me levo pra onde serei
se sei é porque dancei
q dança de vãs esperanças
deságuo no mar esponjoso
na terra me envolvo, secreta
suspiros, vergalham-me o ar
da fúria do fogo à me queimar

Somos ou não somos irmãos?


Qual a diferença entre você e o rapaz analfabeto
Que vasculha o lixo de sua casa?
O local do nascimento, o ventre!

Enquanto você teve as “conhecidas” oportunidades
Ele sobreviveu marginalizado, esquecido
Não teve o colo
Não teve a vacina
Não teve o curativo
Não teve a professora
Não teve orientação
Não teve auxílio
Não teve ...
A não ser o seu lixo
>
Mas a culpa não é sua
Mas a culpa não é dele
De quem será a culpa (sejamos objetivos)?
Pensemos juntos!
Pensemos com força, com vontade
Pois a explicação não será fácil
E num ponto concordaremos, de ante mão,
Devemos pensar uma possível solução para o garoto
Pois ele tem fome, e a fome é amarga
Ele tem frio, e o frio é cortante
Ele tem doenças, e as doenças maltratam
Ele tem nada, e o nada é devastador

Sobre a Liberdade (Albert Einstein)


Sei que é inútil tentar discutir os juízos de valores fundamentais. Se alguém aprova como meta, por exemplo, a eliminação da espécie humana da face da Terra, não se pode refutar esse ponto de vista em bases racionais. Se houver porém concordância quanto a certas metas e valores, é possível discutir racionalmente os meios pelos quais esses objetivos podem ser atingidos. Indiquemos, portanto, duas metas com que certamente estarão de acordo quase todos os que lêem estas linhas.
1. Os bens instrumentais que servem para preservar a vida e a saúde de todos os seres humanos devem ser produzidos mediante o menor esforço possível de todos.
2. A satisfação de necessidades físicas é por certo a precondição indispensável de uma existência satisfatória, mas em si mesma não é suficiente. Para se realizar, os homens precisam ter também a possibilidade de desenvolver suas capacidades intelectuais artísticas sem limites restritivos, segundo suas características e aptidões pessoais.
A primeira dessas duas metas exige a promoção de todo conhecimento referente às leis da natureza e dos processos sociais, isto é, a promoção de todo esforço científico. Pois o empreendimento científico é um todo natural, cujas partes se sustentam mutuamente de uma
maneira que certamente ninguém pode prever.
Entretanto, o progresso da ciência pressupõe a possibilidade de comunicação irrestrita de todos os resultados e julgamentos - liberdade de expressão e ensino em todos os campos do esforço
intelectual. Por liberdade, entendo condições sociais, tais que, a expressão de opiniões e afirmações sobre questões gerais e particulares do conhecimento não envolvam perigos ou graves desvantagens para seu autor. Essa liberdade de comunicação é indispensável para o desenvolvimento e a ampliação do conhecimento científico, aspecto de grande importância prática. Em primeiro lugar, ela deve ser assegurada por lei. Mas as leis por si mesmas não podem assegurar a liberdade de expressão; para que todo homem possa expor
suas idéias sem ser punido, deve haver um espírito de tolerância em
toda a população. Tal ideal de liberdade externa jamais poderá ser
plenamente atingido, mas deve ser incansavelmente perseguido para
que o pensamento científico e o pensamento filosófico, e criativo em
geral, possam avançar tanto quanto possível.
Para que a segunda meta, isto é, a possibilidade de desenvolvimento
espiritual de todos os indivíduos, possa ser assegurada, é necessário
um segundo tipo de liberdade externa. O homem não deve ser obrigado a trabalhar para suprir as necessidades da vida numa intensidade tal que não lhe restem tempo nem forças para as atividades pessoais. Sem este segundo tipo de liberdade externa, a liberdade de expressão é inútil para ele. Avanços na tecnologia tornariam possível esse tipo de liberdade, se o problema de uma divisão justa do trabalho fosse resolvido.
O desenvolvimento da ciência e das atividades criativas do espírito em geral exige ainda outro tipo de liberdade, que pode ser caracterizado como liberdade interna. Trata-se daquela liberdade de espírito que consiste na independência do pensamento em face das restrições de preconceitos autoritários e sociais, bem como, da "rotinização" e do hábito irrefletidos em geral. Essa liberdade interna é um raro dom da natureza e uma valiosa meta para o indivíduo. No entanto, a comunidade pode fazer muito para favorecer essa conquista, pelo menos, deixando de interferir no desenvolvimento. As escolas, por exemplo, podem interferir no desenvolvimento da liberdade interna mediante influências autoritárias e a imposição de cargas espirituais aos jovens excessivas; por outro lado, as escolas podem favorecer essa liberdade, incentivando o pensamento independente. Só quando a liberdade externa e interna são constantes e conscienciosamente perseguidas há possibilidade de desenvolvimento e aperfeiçoamento
espiritual e, portanto, de aprimorar a vida externa e interna do homem.

Ciência e Religião
Parte I
Durante o século passado e em parte do que o precedeu, a
existência de um conflito insolúvel entre conhecimento e
crença foi amplamente sustentada. Prevalecia entre mentes
avançadas a opinião de que chegara a hora de substituir,
cada vez mais, a crença pelo conhecimento; toda crença que
não se fundasse ela própria em conhecimento era superstição
e, como tal, devia ser combatida. Segundo essa concepção, a
função exclusiva da educação seria abrir caminho para o
pensamento e o conhecimento, devendo a escola, como o órgão
por excelência para a educação do povo, servir exclusivamente a esse fim.
É provável que raramente, ou mesmo nunca, possamos encontrar
o ponto de vista racionalista expresso com tanta crueza;
pois todo homem sensível veria de imediato o quanto essa
formulação é tendenciosa. Mas é conveniente formular uma
tese de maneira nua e crua quando se quer aclarar a própria
mente com relação a sua natureza.
É verdade que a experiência e o pensamento claro são a
melhor maneira de fundamentar as convicções. Quanto a isto,
podemos concordar irrestritamente com o racionalista
extremado. O ponto fraco dessa concepção, contudo, é que as
convicções necessárias e determinantes para nossa conduta e
nossos juízos não podem ser encontradas unicamente nessa
sólida via científica.
Pois o método científico não nos pode ensinar outra coisa
além do modo como os fatos se relacionam e são condicionados
uns pelos outros. A aspiração a esse conhecimento objetivo
está entre as mais elevadas de que o homem é capaz, e
certamente ninguém pode suspeitar que eu deseje subestimar
as realizações e os heróicos esforços do homem nessa esfera.
É igualmente claro, no entanto, que o conhecimento do que é,
não abre diretamente a porta para o que deve ser. Podemos
ter o mais claro e completo conhecimento do que é, sem
contudo sermos capazes de deduzir disso qual deveria ser a
meta de nossas aspirações humanas. O conhecimento objetivo
nos fornece poderosos instrumentos para atingir certos fins,
mas a meta final em si é a mesma, e o desejo de atingi-la
devem emanar de outra fonte. E é praticamente desnecessário
defender a idéia de que nossa existência e nossa atividade
só adquirem 'sentido' mediante o estabelecimento de uma meta
como essa e dos valores correspondentes. O conhecimento da
verdade como tal é maravilhoso, mas é tão pouco capaz de
servir de guia que não consegue provar sequer a justificação
e o valor da aspiração a esse mesmo conhecimento da verdade.
Aqui defrontamos, portanto, com os limites da concepção
puramente racional de nossa existência.
Mas não se deve presumir que o pensamento inteligente não
possa desempenhar nenhum papel na formação da meta e de
juízos éticos. Quando alguém se dá conta de que certo meio
seria útil para a consecução de um fim, isto faz com que o
próprio meio se torne um fim. A inteligência elucida para
nós a inter-relação entre meios e fins. O mero pensamento
não pode, contudo, nos dar uma consciência dos fins últimos
e fundamentais. Elucidar esses fins e valores fundamentais é
engastá-los firmemente na vida emocional do indivíduo;
parece-me, precisamente, a mais importante função que a
religião tem a desempenhar na vida social do homem. E se
alguém pergunta de onde provém a autoridade desses fins
fundamentais, já que eles não podem ser formulados e
justificados puramente pela razão, só há uma resposta: eles
existem numa sociedade saudável na forma de tradições
vigorosas, que agem sobre a conduta, as aspirações e os
juízos dos indivíduos; eles existem, isto é, vivem dentro
dela, sem que seja preciso encontrar justificação para sua
existência. Nascem, não através da demonstração, mas da
revelação, por meio de personalidades excepcionais. Não se
deve tentar justificá-los, mas antes, sentir, simples e
claramente, sua natureza. Os mais elevados princípios para
nossas aspirações e juízos nos são dados pela tradição
religiosa judáico-cristã. Trata-se de uma meta muito
elevada, que, com nossos parcos poderes, só podemos atingir
de maneira muito insatisfatória, mas que da um sólido
fundamento a nossas aspirações e avaliações. Se quiséssemos
tirar essa meta de sua forma religiosa e considerar apenas
seu aspecto puramente humano, talvez pudéssemos formulá-la
assim: desenvolvimento livre e responsável do indivíduo, de
modo que ele possa por suas capacidades, com liberdade e
alegria a serviço de toda a humanidade.
Não há lugar nisso para a divinização de uma nação, de uma
classe, nem muito menos de um indivíduo. Não somos todos
filhos de um só pai, como se diz na linguagem religiosa? Na
verdade, mesmo a divinização da humanidade, como totalidade
abstrata, não estaria no espírito desse ideal. E somente ao
indivíduo que é dada uma alma. E o 'sublime' destino do
indivíduo é antes servir que comandar, ou impor-se de
qualquer outra maneira.
Se considerarmos mais a substância que a forma, poderemos
ver também nestas palavras a expressão da postura
democrática fundamental. Ao verdadeiro democrata e tão
inviável idolatrar sua nação quanto ao homem religioso, no
sentido que damos ao termo.
Qual será então, em tudo isto, a função da educação e da
escola? Elas devem ajudar o jovem a crescer num espírito tal
que esses princípios fundamentais sejam para ele como o ar
que respira. O mero ensino não pode fazer isso.
Se mantemos esses princípios elevados claramente diante de
nossos olhos, e os comparamos com a vida e o espírito de
nosso tempo, revela-se flagrantemente que a própria
humanidade civilizada encontra-se, neste momento, em grave
perigo. Nos Estados totalitários, são os próprios
governantes que se empenham hoje em destruir esse espírito
de humanidade. Em lugares menos ameaçados, são o
nacionalismo e a intolerância, bem com a opressão dos
indivíduos por meios econômicos, que ameaçam sufocar essas
tão preciosas tradições.
A clareza da enormidade do perigo está se difundindo, no
entanto, entre as pessoas que pensam, e há uma grande
procura de meios que permitam enfrentar o perigo - meios no
campo da política nacional e internacional, da legislação,
da organização em geral. Esses esforços são, sem dúvida,
extremamente necessários. Contudo, os antigos sabiam algo
que parecemos ter esquecido. "Todos os meios mostram-se um
instrumento grosseiro quando não tem atrás de si um espírito
vivo". Se o desejo de alcançar a meta estiver vigorosamente
vivo dentro de nós, porém, não nos faltarão forças para
encontrar os meios de alcançar a meta e traduzi-la em atos.

Parte II
Não seria difícil chegar a um acordo quanto ao que
entendemos por ciência. Ciência é o esforço secular de
reunir, através do pensamento sistemático, os fenômenos
perceptíveis deste mundo, numa associação tão completa
quanto possível. Falando claramente, é a tentativa de
reconstrução posterior da existência pelo processo da
conceituação. Mas, quando pergunto a mim mesmo o que é a
religião, a resposta não me ocorre tão facilmente. E, mesmo
depois de encontrar uma resposta que possa me satisfazer num
momento particular, continuo convencido de que nunca
consigo, em nenhuma circunstância, criar um acordo, mesmo
que muito limitado, entre todos os que refletem seriamente
sobre essa questão.
De início, portanto, em vez de perguntar o que é religião,
eu preferiria indagar o que caracteriza as aspirações de uma
pessoa que me dá a impressão de ser religiosa: uma pessoa
religiosamente esclarecida parece-me ser aquela que, tanto
quanto lhe foi possível, libertou-se dos grilhões, de seus
desejos egoístas e está preocupada com pensamentos,
sentimentos e aspirações a que se apega em razão de seu
valor suprapessoal. Parece-me que o que importa é a força
desse conteúdo suprapessoal, e a profundidade da convicção
na superioridade de seu significado, quer se faça ou não
alguma tentativa de unir esse conteúdo com um Ser divino,
pois, de outro modo, não poderíamos considerar Buda e
Spinoza como personalidades religiosas. Assim, uma pessoa
religiosa é devota no sentido de não ter nenhuma dúvida
quanto ao valor e eminência dos objetivos e metas
suprapessoais que não exigem nem admitem fundamentação
racional. Eles existem, tão necessária e corriqueiramente
quanto ela própria. Nesse sentido, a religião é o
antiquíssimo esforço da humanidade para atingir uma clara e
completa consciência desses valores e metas e reforçar e
ampliar incessantemente seu efeito. Quando concebemos a
religião e a ciência segundo estas definições, um conflito
entre elas parece impossível. Pois a ciência pode apenas
determinar o que é, não o que deve ser, está fora de seu
domínio, todos os tipos de juízos de valor continuam sendo
necessários. A religião, por outro lado, lida somente com
avaliações do pensamento e da ação humanos: não lhe é lícito
falar de fatos e das relações entre os fatos. Segundo esta
interpretação, os famosos conflitos ocorridos entre religião
e ciência no passado devem ser todos atribuídos a uma
apreensão equivocada da situação descrita.
Um conflito surge, por exemplo, quando uma comunidade
religiosa insiste na absoluta veracidade de todos os relatos
registrados na Bíblia. Isso significa uma intervenção da
religião na esfera da ciência; é aí que se insere a luta da
Igreja contra as doutrinas de Galileu e Darwin. Por outro
lado, representantes da ciência tem constantemente tentado
chegar a juízos fundamentais com respeito a valores e fins
com base no método científico, pondo-se assim em oposição a
religião. Todos esses conflitos nasceram de erros fatais.
Ora, ainda que os âmbitos da religião e da ciência sejam em
si claramente separados um do outro, existem entre os dois
fortes relações recíprocas e dependências. Embora possa ser
ela o que determina a meta, a religião aprendeu com a
ciência, no sentido mais amplo, que meios poderão contribuir
para que se alcancem as metas que ela estabeleceu. A
ciência, porém, só pode ser criada por quem esteja
plenamente imbuído da aspiração e verdade, e ao
entendimento. A fonte desse sentimento, no entanto, brota na
esfera da religião. A esta se liga também a fé na
possibilidade de que as regulações válidas para o mundo da
existência sejam racionais, isto é, compreensíveis à razão.
Não posso conceber um autêntico cientista sem essa fé
profunda. A situação pode ser expressa por uma imagem: a
ciência sem religião é aleijada, a religião sem ciência é
cega.
Embora eu tenha afirmado acima que um conflito legítimo
entre religião e ciência não pode existir verdadeiramente,
devo fazer uma ressalva a esta afirmação, mais uma vez, num
ponto essencial, com referencia ao conteúdo efetivo das
religiões históricas. Esta ressalva tem a ver com o conceito
de Deus. Durante o período juvenil da evolução espiritual da
humanidade, a fantasia humana criou a sua própria imagem
'deuses' que, por seus atos de vontade, supostamente
determinariam ou, pelo menos, influenciariam o mundo
fenomênico. O homem procurava alterar a disposição desses
deuses a seu próprio favor, por meio da magia e da prece. A
idéia de Deus, nas religiões ensinadas atualmente, é uma
sublimação dessa antiga concepção dos deuses. Seu caráter
antropomórfico se revela, por exemplo, no fato de os homens
recorrerem ao Ser Divino em preces, a suplicarem a
realização de seus desejos.
Certamente, ninguém negará que a idéia da existência de um
Deus pessoal, onipotente, justo e todo-misericordioso é
capaz de dar ao homem consolo, ajuda e orientação; e também,
em virtude de sua simplicidade, acessível as mentes menos
desenvolvidas. Por outro lado, porém, esta idéia traz em si
aspectos vulneráveis e decisivos, que se fizeram sentir
penosamente desde o início da história. Ou seja, se esse ser
é onipotente, então tudo o que acontece, aí incluídos cada
ação, cada pensamento, cada sentimento e aspiração do homem,
é também obra Sua; nesse caso, como é possível pensar em
responsabilizar o homem por seus atos e pensamentos perante
esse Ser 'todo-poderoso'? Ao distribuir punições e
recompensas, Ele estaria, até certo ponto, julgando a Si
mesmo. Como conciliar isso com a bondade e a justiça a Ele
atribuídas?
A principal fonte dos conflitos atuais entre as esferas da
religião e da ciência reside nesse conceito de um Deus
pessoal. A ciência tem por objetivo estabelecer regras
gerais que determinem a conexão recíproca de objetos e
eventos no tempo e no espaço. A validade absolutamente geral
dessas regras, ou leis da natureza, é algo que se pretende -
mas não se prova. Trata-se sobretudo de um projeto, e a
confiança na possibilidade de sua realização, por princípio,
funda-se apenas em sucessos parciais. Seria difícil, porém,
encontrar alguém que negasse esses sucessos parciais e os
atribuísse a ilusão humana. O fato de sermos capazes, com
base nessas leis, de predizer o comportamento temporal dos
fenômenos de certos domínios, com grande precisão e certeza,
está profundamente enraizado na consciência do homem
moderno, ainda que possamos ter apreendido muito pouco do
conteúdo dessas leis. Basta considerarmos que as trajetórias
planetárias do sistema solar podem ser antecipadamente
calculadas, com grande exatidão, com base num número
limitado de leis simples. De maneira similar, embora não com
a mesma precisão, é possível calcular antecipadamente o modo
de funcionamento de um motor elétrico, de um sistema de
transmissão ou de um aparelho de rádio, mesmo quando estamos
lidando com uma invenção inédita.
É bem verdade que, quando o número de fatores em jogo num
complexo fenomenólogico é grande demais, o método científico
nos decepciona na maioria dos casos. Basta pensarmos nas
condições do tempo, cuja previsão, mesmo para alguns dias à
frente, é impossível. Ninguém duvida, contudo, de que
estamos diante de uma conexão causal cujos componentes
causais nos são essencialmente conhecidos. As ocorrências
nessa esfera estão fora do alcance da predição exata por
causa da multiplicidade de fatores em ação, e não por alguma
falta de ordem na natureza.
Penetramos muito menos profundamente nas regularidades que
prevalecem no âmbito das coisas vivas, mas o suficiente, de
todo modo, para pelo menos perceber a existência de uma
regra necessária. Basta pensarmos na ordem sistemática
presente na hereditariedade e no efeito que provocam os
venenos - como o álcool, por exemplo - no comportamento dos
seres orgânicos. O que ainda falta aqui é uma compreensão de
caráter profundamente geral das conexões, não um
conhecimento da ordem enquanto tal.
Quanto mais o homem esta imbuído da regularidade ordenada de
todos os eventos, mais firme se torna sua convicção de que
não sobra lugar, ao lado dessa regularidade ordenada, para
causas de natureza diferente. Para ele, nem o domínio da
vontade humana, nem o da vontade divina existirão como causa
independente dos eventos naturais. Não há dúvida de que a
doutrina de um Deus pessoal que interfere nos eventos
naturais jamais poderia ser refratada, no sentido
verdadeiro, pela ciência, pois essa doutrina pode sempre
procurar refúgio nos campos em que o conhecimento científico
ainda não foi capaz de se firmar. Estou convencido, porém,
de que tal comportamento por parte dos representantes da
religião seria não só indigno como desastroso. Pois uma
doutrina que não é capaz de se sustentar à "plena luz", mas
apenas na escuridão, está fadada a perder sua influência
sobre a humanidade, com incalculável prejuízo para o
progresso humano. Em sua luta pelo bem ético, os professores
de religião precisam ter a envergadura para abrir mão da
doutrina de um Deus pessoal, isto é, renunciar a fonte de
medo e esperança que, no passado, concentrou um poder tão
amplo nas mãos dos sacerdotes. Em seu ofício, terão de se
valer daqueles forças que são capazes de cultivar o Bom, o
Verdadeiro e o Belo na própria humanidade. Trata-se, sem
dúvida, de uma tarefa mais difícil, mas incomparavelmente
mais valiosa. Quando tiverem realizado esse processo de
depuração, os professores da religião certamente hão de
reconhecer com alegria que a verdadeira religião ficou
enobrecida e mais profunda graças ao conhecimento
científico.
Se um dos objetivos da religião é libertar a humanidade,
tanto quanto possível, da servidão dos anseios, desejos e
temores egocêntricos, o raciocínio científico pode ajudar a
religião em mais um sentido. Embora seja verdade que a meta
da ciência é descobrir regras que permitam associar e prever
os fatos, essa não é sua única finalidade. Ela procura
também reduzir as conexões descobertas ao menor número
possível de elementos conceituais mutuamente independentes.
E nessa busca da unificação racional do múltiplo que a
ciência logra seus maiores êxitos, embora seja precisamente
essa tentativa que a faz correr os maiores riscos de se
tornar uma presa das ilusões. Mas todo aquele que
experimentou intensamente os avanços bem-sucedidos feitos
nesse domínio é movido por uma profunda reverência pela
racionalidade que se manifesta na existência. Através da
compreensão, ele conquista uma emancipação de amplas
conseqüências dos grilhões das esperanças e desejos
pessoais, atingindo assim uma atitude mental de humildade
perante a grandeza da razão que se encarna na existência e
que, em seus recônditos mais profundos, é inacessível ao
homem. Essa atitude, contudo, parece-me ser religiosa, no
mais elevado sentido da palavra. A meu ver, portanto, a
ciência não só purifica o impulso religioso do entulho de
seu antropomorfismo, como contribui para uma
'espiritualização' religiosa de nossa compreensão da vida.
Quanto mais avança a evolução espiritual da humanidade, mais
certo me parece que o caminho para a religiosidade genuína
não passa pelo medo da vida, nem pelo medo da morte, ou pela
fé cega, mas pelo esforço em busca do conhecimento racional.
Neste sentido, acredito que o sacerdote, se quiser fazer jus
a sua 'sublime' missão educacional, deve tornar-se um
professor.