quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

ADOCULARE



Seus olhos transluzem amor, me alumiam,
independente de qualquer atitude, palavra, lágrima
Quando nos encontramos, eles seguem acesos a mim,
me fitando por completo, como se comer-me-iam
O modo como você me olha ao se assustar
procurando um refúgio, um auxílio, uma luz
Se acorda a noite, me buscam na penumbra
para aconchegar seu rosto no meu e balbuciar juras
A maneira que riem de minhas tolices e besteiras,
espremidos e cintilantes, embotados de admiração
O jeito de chorar fácil, rubros, ao se desiludirem
a cada estupidez que te faço por mero capricho
O aspecto intenso quando nos divertimos, cativos,
transbordando satisfação diante dos meus
Seu olhar de moleca ao me oferecer o último pedaço
só de arte, ávido para que não o aceite
Assume a natureza de íris felina, acaso irrita,
observando atravessado o fato que a inquieta
No tálamo me miram feminizados, atados a nós,
calmos como se aquilo não passasse de um flerte
Seus olhos são livros esplêndidos, água corrente
porquanto transparecem sentimentos, você.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Psicografia


E nascerão novos pombos no mundo

Nuvens que cobrirão as antenas de tv

Aumentando a energia a ser teleguiada

Cortando em rasante e cagando granadas

Um sufoco de sangue derretendo as estrelas

Fazendo de corpos sem alma barricadas e ninhos

Suspenso o odor da doença em meio à torpeza

Negro céu em trevas, caos social e sentinelas

Salvação!


Cadê Jesus?
Com sua bela palavra
Pra salvar as cabeças
Devolvendo a visão da cruz

Onde Ele está?
Pra me acompanhar
Nesse círio de ramos
Glorificando a Jah

Trazei a Luz!
Ao povo da relva
Da Divina Comédia
Pois só o Senhor conduz

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Guia para iniciantes


Como armar um tabuleiro de Xadrez

Casa branca do lado direito
A Rainha tem a preferência, combina sua roupa com a casa
O Rei ao seu lado direito, reproduz o casamento
Os Bispos cercam a Realeza, como em toda Monarquia
Os cavalos integram a defesa junto as Torres, longe da Majestade
As Torres situam-se nos vértices do Castelo
Os Peões compõem a linha de frente, chamada infantaria
As brancas sempre dão início à partida, ao ataque
Notou as Conveniências?
A Arquitetura?
O Catolicismo?
A superstição?

Como mover as peças

O Rei dá um passo de cada vez, graças a sua enorme barriga
A Rainha, desesperada para manter a Coroa, vai a todos os cantos
Mas não salta, somente o cavalo pula obstáculos, em L (pq ?)
Os Bispos movem-se furtivamente, em diagonais distintas
As monumentais Torres devastam tudo em linha reta
Os Peões são capazes de correr duas casas em seus primeiros lances
Contudo, marcham casa a casa atacando em diagonal
O jogo termina quando o Rei for estacado pelo rival
Salvo a hipótese de empate por afogamento
Notou o Sedentarismo?
O Poder?
A Destreza?
A Intuição?

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Imã Transcendental


caminho solto sobre as águas do mar
no reflexo da cratera lunar
despojado de fé, na força do axioma
dentro da idéia que faz-me enlevar

estando no teu mundo, contemplativo
fixo no reflexo, sinto o reflexo
vagando como a própria sorte
vazante como a andante maré

não representa um mero satélite
sendo única estrela de minhas alucinações
lua dos loucos, de mel e do cio terrestre
percebei o meu amor e o de Platão

lua, também é elíptica minha órbita
você que nos guia mar adentro e afora
posso te sentir durante todas as horas
mesmo que o sol falte ao longo do tempo

voamos na mesma função, corpo celeste
distanciados da maldade, Céu de Dante
astro de São Jorge e da feminilidade
como é grande a tua magnificência

tu me alicia e prende meus pensamentos
como é triste o momento, por agora evadir-se
esperarei novas noites, pois sem sua pujança
não despertará em mim o amanhecer

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Casamenteira



privatize-me, deixo
exerça teu poder de império
saberá articular tua conquista
afinal a posse permeia tuas mãos e mente
X
sou uma área improdutiva, devoluta
pública, desprovida de um certo controle
necessito responder a um superior racional
no amor, na grana, na linha de produção
X
meus frutos serão teu lucro líquido
minhas dores um sacrifício louvável
faça-nos sinônimo de capital católico
nada que me ordene farei diferente
X
se quiser também serei teu alimento
ou máquina disposta a toda iniqüidade
usarei algemas, grilhões, bolas de ferro
meu desejo será teu leve pensamento
X
nenhum encanto quebrará teu monopólio
ao fim da jornada não carregará desalento
contarei com a colaboração do destino
a concorrência muito antes me carregará

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Manchete do dia



o céu nublado acinzenta a aldeia de pedra
o vento forte chicoteia a fria garoa
os trovões são espasmos de luz e som
transeuntes não há nos arredores
o cruzamento mais parece um estacionamento
vazio, silencioso, desanuviado
eis que surge o belo esportivo prata
dentro um promotor de justiça e sua amante
gaseificados de sexo e sentimentos de culpa
o sinal amarela, chega o instante do derradeiro amasso
breque, o cronômetro regressivo marca 90 segundos
o casal se cheira, mãos às coxas, hálitos
ao lado pára calmamente o motoqueiro
percebe o sexo do automóvel e confere seu interior
deseja o que vê, estica levemente o pescoço
projeta seu corpo sobre o tanque da motocicleta
sua sombra alerta o homem, a mulher recua
constrangido disfarça, pergunta às horas
aponta incisivamente para seu pulso nu
o motorista tem a pistola 9mm e o relógio rolex
aquela situação já fora imaginada 200 vezes
opta por deflagrar 11 tiros no fulaninho
arranca, a amante entra em estado de choque
o cachorro-louco tinge o asfalto com seu sangue quente
engasga, lancina sensação, empretece
o motorista aciona imediatamente seus fieis policiais
dá o endereço, dá explicações, pede ajuda
não encontram qualquer indício com o cadáver
pessoa comum, bandido não leva 11 tiros
na manhã seguinte a língua da mídia noticia
“Promotor de Justiça mata assaltante com 11 tiros”
se ouve a verdade dos fatos no decorrer na reportagem
“portava um 38, 5 relógios, trouxinha de maconha e um livro lacrado”

sábado, 19 de janeiro de 2008

será?

uma pedra antigravitacional despenca sobre meu queixo
sobem pele e sangue enquanto fecham-se os olhos
meu tórax esquece-se dos braços, norteado pela cabeça
pendendo na órbita vertebral do meu corpo
a grama fofa me atira um pouco para o alto
mas não é capaz de devolver-me a consciência
estupefato, protejo meus olhos do sol cálido
ao redor nenhum possível responsável
e o corte ratifica aquilo que não quero acreditar
a gravidade, por um instante, fora negada a tal pedra
como codificar racionalmente a intrigante verdade
preciso rever a existência de Deus

Ágata


começou a brincar com meu mijo
acompanhando-o com olhos espertos
e à medida que minha bexiga esvaziava
a gata se aproximava sorrateiramente

safada, aos meus pés me olha e mia
me cheira demonstrando seu interesse
esfrega seu rabo nas minhas pernas
não sei o que a gata está pensando

cavando, cavando uma cova rasa
se amolece numa mijada bem na minha frente
oferecida, me pede que a leve pra minha casa
creio que fora amamentada por uma cachorra

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Nega prosa em verso


ela se sentiu desejada

joga seu cabelo trançado

faz o pé de bailarina

desloca o quadril

ajeita o bracelete

perde o olhar no horizonte

respira profundamente


parece ansiosa, ávida

talvez seja ou esteja insegura

aquieta-se

acaba de dar-me as costas negras

mexe na blusa amarela

cobre o pneuzinho

imagino-a sem roupa

escandalizada, histérica


ela se vira e não me olha

procura uma fuga no chão

ou o momento

e o sinal abre

o sinal sempre abre

ela não me vê partir

ainda a vejo pelo retrovisor

que Deusa, uma Orixá

em beleza e mistério