segunda-feira, 5 de maio de 2008

Aiai!


Nas barbas do facheiro chia o vento
Nasce o pai da caatinga
E a fome chocalha seu bote
O olho remela pro sul
Numa triste jornada
E queda na terra rachada
O açude virou tanque
O tanque virou poça
E a poça virou buraco escuro
Não se vêem insetos
As feridas estão secas
E o sangue não presta para chupar
O ar seco chuta os ossos
As peles de fecham silenciosas
E o barro apara o cabelo
O cão, o cão morreu
Morreram os bichos novos
E os velhos espreitam as nuvens
O futuro é barrento e oco
Esse presente não quer abrir
E do passado não há lembrança
Ao Senhor rogo, ao Senhor peço
Prece de mil anos, ária árida
E cansei de me redimir
O redemoinho é um bom sinal
Fé Nele que o tempo melhora
E é noite fria e cintilante
O nada em tudo se fez
Sem choro, sem fome, sem saudade
E adormeço imaginando a trovoada
Derradeira feito vaca leiteira
Coando o chão esturricado
E vem do alto e cai forte
Um maciço manto molhado
Pregado nos quatros cantos do céu
E fica caminhando sobre meu casco
Seguro um bocado no meu chapéu
Tem o cheiro do mel, o brilha da cobra
E já vejo peixes de todas as cores
Aiai! se morrer, quero ser água
Cristalina, gelada e doce
E subirei pelos pés-de-pau!

2 comentários:

Pablo disse...

Um maçiço manto molhado!!
vei, você escreve pra caralho. É difuder quando a pessoa toma apego pela poesia que começa a brincar com ela, fazendo rimas com as letras, as formas e os sentidos das palavras. Faltava dizer que o diluvio seria o paraiso e morrer afogada o gozo inverso da caatinga sertaneja.

João disse...

gostei, pq vc não escreve sobre?