terça-feira, 28 de outubro de 2008

O ensino à distância e a Universidade distante


No período colonial, nos foi proibido o ensino superior. Sociedade escravocrata, monocultura baseada no latifúndio e universidade, de fato, formariam uma combinação esdrúxula. Já nos alvores da independência e do período imperial, por força de muitas circunstâncias históricas, este nasceria com o fim estrito de manter a ordem colonial: poucas escolas, ensino de elite e profissões tradicionais. Formação universitária mesmo, só na Europa.


Com a república, pensou-se finalmente ter conquistado o direito de termos a nossa universidade. Mas muitos projetos minguaram, prevalecendo aquele que melhor se adequava às condições particulares de uma sociedade capitalista periférica e subordinada.


No período dos ditadores militares e civis, a demanda crescente pelo ensino superior tornou famoso o episódio dos "excedentes", capítulo importante de uma longa história de "fechamento" da universidade pública de qualidade para a grande maioria da população brasileira e de expansão do ensino superior privado de qualidade reconhecidamente precária, em muitos casos, verdadeiras fábricas de certificados e diplomas.


Nos anos de 1990, essa lógica se ampliou. No entanto, a demanda pelas vagas de nível superior, numa sociedade que consolidava sua condição subordinada, abandonando de uma vez por todas qualquer pretensão de soberania nacional com as famigeradas reformas neoliberais, também se modificou. Passou a significar condição mínima de disputa por um lugar ao sol, ainda que tivesse se distanciado cada vez mais da qualidade. O forte apelo salvacionista fez com que o título se tornasse mais importante do que a formação, que se precarizou.


Mas a universidade dita elitista permaneceu, desta vez disfarçada também em seu próprio interior . Promoveu-se a aparência de uma suposta democratização, com abertura de vagas , cursos noturnos , cursos de perfil " técnico ", rápidos , aligeirados, estratagemas deliberados para a incorporação de públicos mais pobres que "batiam à sua porta ". O ensino superior brasileiro , em especial as universidades públicas, caracteriza- se hoje por uma ampla segmentação entre instituições , bem como por uma hierarquização que separa as áreas "tradicionais", de " elite ", das demais , menos afetas à lógica mercantil e pouco importantes quando se trata de um país periférico .


É nesse contexto que a elite brasileira, adotando estratégias que "deram certo" em outras realidades históricas, pôs em prática sua mais nova reforma para o ensino superior: a do ensino à distância. Como a sociedade capitalista necessita que camadas sociais, cada vez menos desprovidas de acesso à renda, atinjam a escala social dos que "batem à porta" da universidade, criou-se um ardiloso mecanismo para incorporá-los, não pelas portas dos fundos como nos já conhecidos processos de expansão de vagas (mercantilização, REUNI, expansão das estaduais paulistas etc.), mas pela sua distinção: inclusão à distância! Que "venham" para a universidade, ficando o mais longe possível dela. Com esta nova cara, até os muros da universidade tornam-se antiquados: se o isolamento dos campi outrora simbolizava o caráter elitista da nossa universidade, agora, com o campus virtual, transfere-se esta privação ao próprio indivíduo como se se dissolvessem as distâncias físicas e sociais, agora maiores do que nunca.


Numa era em que o modo de produção capitalista exacerba todas as suas contradições , produzindo desigualdades brutais e barbárie , tudo pode e deve ser "consumido" por meio do espetáculo virtual : o medo , o prazer , o sonho . Quem não pode ter acesso ao objeto real , ao menos deve contentar-se em consumir o sonho de poder tê-lo. Na educação superior, cria-se uma espécie de ensino delivery, misto de formação precária com as pompas e, quem sabe, as prerrogativas do diploma, nada mais do que o mundo atual necessita. Mas, do que necessita a sociedade brasileira?


Ao invés de dar vivas ao ensino à distância, sem atentar para suas possíveis conseqüências negativas, é hora de reavaliarmos que tipo de ensino queremos para atender as históricas deficiências de formação e qualidade no nível superior. Ensino de qualidade se faz, antes de tudo, com garantia de condições objetivas: infra-estrutura, planos de carreira para docentes e funcionários, financiamento público adequado e assistência estudantil.

Lalo Watanabe Minto - outubro de 2008

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