segunda-feira, 30 de junho de 2008

No fundo dos meus pensamentos (Rafael Vilan, irmão do "Muqueca")


Se eu tivesse juízo, andaria sempre em linha reta.
Não desviaria meu olhar, com medo de encontrar.
O desvio dessa intrigante linha que teria que trilhar.

Imaginações disseminadas, confusas e contemplativas.
Desvario repentino, desejos duradouros e profunda inquietação.
O pensamento que transpõe o óbvio com sutileza e inspiração.

O medo de tentar aquilo que jamais poderia ter na vida
Intempestivamente a minha sanidade questiona o meu ser,
A sensatez da razão impõe a maneira de ver
Leva-me a sentir intensamente a magia nela contida.

É difícil procurar diante de tudo algum entendimento,
Por ser sincero e natural, és tão puro que me acolhe suavemente.
A plenitude desse momento é só da agente
Mas, por um instante, bem que eu a levaria para o fundo dos meus pensamentos.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Ser ou estar


Ser fiel
É cansar de não realizar amores
É deixar-se arder em dores
( É rimar amor e dor )
É sonhar todas as noites com ela
É tê-la por uma tristeza por não tê-la
Sendo fiel meu desejo
Não vejo como não ser infiel
.
Já que estou assim...
Meu Amor, seja compreensiva
Não te conto uma história cínica
Te digo que vivo a modernidade
Lido com o computador desde sempre
Adentro trens-bala, aviões supersônicos
Digito este poema no meu laptop
E logo o publicarei no meu blog
Como trancar-me em meu peito
Se ele não pensa ser um feudo
Se o mundo celebra a expansão
Não posso viver indiferente
A fidelidade é inconveniente
.
Quero amar à vontade
Sem currais, quartos, fronteiras, muros, alianças
Lamber vários pratos
Refrescar-me em minas diversas
Conversar noutras línguas
Caminhar sobre as bandeiras
Desafogar esta tensão
Dar vazão ao tesão
.
Abaixo a tudo que me impeça de tê-la
A tudo que coíba um desejo tão violento
Diabos de fidelidade
Proponho um desafio
Sejamos infiéis
E propaguemos o amor livre

Caminho de letras


Cada vez que leio
Muda minha idéia de tempo
Já não é uma superfície linear
Ou sistêmica roda de sal
É o tempo de ler
E sentir algo de fatal
Um mar gelado sem chão
Sacudindo-me gostoso
Inundando-me de cisões/fusões
Visões de lonjura numa página
Em mim, em meu corpo
Enxugo palavras nas sobrancelhas
Retiro-as dos olhos, nariz, ouvidos, tantas
Que o tempo não se faz escutar
Não reclama sua hora
Muito menos eu
Quem não sabe mais quem é
Diante do texto fui leitor
Outra coisa após lê-lo
Vivendo novo o tempo novo
Revisitando os passados passados
E sou coisa embriagada
Discutindo em voz alta
Derrubando vasos
Quebrando nortes
Embevecida
Cheirando orquídeas
Amolando caninos
Escrevendo feixes de poemas
Caminho sobre as palavras
Para sempre
Em todas as direções
O tempo serve à leitura

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Só a mitologia

Antes mesmo dos tempos de Homero,
acreditavam os gregos que o sol, ao se pôr,
era transportado por uma carruagem dourada pelos ares,
até que, novamente, pudesse ressurgir triunfante no horizonte.

Hipérion, ou “o que está no alto”, é o Deus sol grego,
primeiro dos Deuses primitivos (Deuses originários do Olimpo, que surgiram do caos),
até hoje povoa a cultura ocidental.
Seu nome foi atribuído a uma pequena lua de Saturno pelos cientistas espaciais modernos.

E Tupã? O que fizeste por ele?

A ciência, que propõe uma incessante ruptura paradigmática,
hoje se depara com o entrave da impossibilidade de explicação racional de diversos fenômenos da natureza.
O conhecimento intuitivo prevalece, ao final.
Recentíssimas pesquisas da física quântica, subatômica e especial
hoje chegam a conclusões que há séculos a filosofia espiritualista oriental já alcançara.
Mera coincidência?
Não.
Todas as ciências de baixa tecnologia para vos.
Só a mitologia explica...

(Tiago Carneiro_KT)

Ode ao acaso

O destino é um embriagado guiado por um cego.
Já o cego, por sua vez, tenta, a todo custo, em flashes de relampejo,
imiscuir o mínimo de sobriedade no embriagado convicto do destino.
Ledo engano, infrutíferas tentativas...
Se a melhor coisa da vida é o inesperado,
por que privar-nos, senhor guia cego, dessa inteira ausência de previsibilidade?
Afinal, há sacrilégio mais profano que prever a sua existência ante a um mundo infinito de possibilidades impossíveis?
Já exaltava Horácio, o hedonista reacionário, carpe diem, ou “colha o dia”,
antes que a fruta apodreça no cacho, sem jamais ter sido desfrutado o seu néctar.

(Tiago Carneiro_KT)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Alheio adeus


Incrédulas
Acompanham a descida do teu caixão
Tapado
Não choram
Te velaram pela madrugada
Foram-se as lágrimas, as forças
O Pesar retirou-lhes a postura
Os olhos se movem sobre ti
Simplesmente te imaginam
Morta de blazer rosa e coberta por outras
Viva, cantando Bossa
Paradas, como um só corpo
Vejo tua filha, tua neta, tua empregada doméstica
Abraçadas, desoladas, são tua familia
Aquela que admiravas e celebravas
Já não haverá festa no dia de teu aniversário
Nem fofocas no almoço envolvendo teus antepassados
Nem o bolo de laranja coberto com chocolate, tuas panquecas
Contigo foi boa parte de ti
Outra nunca apagará
Outra repousa nesse caixão
Ornado com uma linda coroa de flores amarelas, tuas prediletas
Agora apagado no fundo do túmulo
Onde repousam teu marido e teu irmão
E logo chegará tua filha, tua neta
Tua empregada doméstica será enterrada longe
Lá no interior de onde vieram vocês duas

terça-feira, 17 de junho de 2008

Os últimos dias

Que a terra há de comer.
Mas não coma já.

Ainda se mova,
para o ofício e a posse.

E veja alguns sítios
antigos, outros inéditos.

Sinta frio, calor, cansaço;
para um momento; continue.

Descubra em seu movimento
forças não sabidas, contatos.

O prazer de estender-se; o de
enrolar-se, ficar inerte.

Prazer de balanço, prazer de vôo.

Prazer de ouvir música;
sobre o papel deixar que a mão deslize.

Irredutível prazer dos olhos;
certas cores: como se desfazem, como aderem;
certos objetos, diferentes a uma luz nova.

Que ainda sinta cheiro de fruta,
de terra na chuva, que pegue,
que imagine e grave, que lembre.

O tempo de conhecer mais algumas pessoas,
de aprender como vivem, de ajudá-las.

De ver passar este conto: o vento
balançando a folha; a sombra
da árvore, parada um instate,
alongando-se com o sol, e desfazendo-se
numa sombra maior, de estrada sem trânsito.

E de olhar esta folha, se cai.
Na queda retê-la. Tão seca, tão morna.

Tem na certa um cheiro, particular entre mil.
Um desenho, que se produzirá ao infinito,
e cada folha é uma diferente.

E cada instante é diferente, e cada
homem é diferente, e somos todos iguais.
No mesmo ventre o escuro inicial, na mesma terra
o silêncio global, mas não seja logo.

Antes dele outros silêncios penetrem,
outras solidões derrubem ou acalentem
meu peito; ficar parado em frente desta estátua: é um torso
de mil anos, recebe minha visita, prolonga
para trás meu sopro, igual a mim
na calma, não importa o mármore, completa-me.

O tempo de saber que alguns erros caíram, e a raiz
da vida ficou mais forte, e os naufrágios
não cortaram essa ligação subterrânea entre homens e coisas:
que os objetos continuam, e a trepidação incessante
não desfigurou o rosto dos homens;
que somos todos irmãos, insisto.

Em minha falta de recursos para dominar o fim,
entrentanto me sinta grande, tamanho de criança, tamanho de torre,
tamanho da hora, que se vai acumulando século após século e causa vertigem,
tamanho de qualquer João, pois somos todos irmãos.

E a tristeza de deixar os irmãos me faça desejar
partida menos imediata. Ah, podeis rir também,
não da dissolução, mas do fato de alguém resistir-lhe,
de outros virem depois, de todos sermos irmãos,
no ódio, no amor, na incompreensão e no sublime
cotidiano, tudo, mas tudo é nosso irmão.

O tempo de despedir-me e contar
que não espero outra luz além da que nos envolveu
dia após dia, noite em seguida a noite, fraco pavio,
pequena amplo fulgurante, facho lanterna, faísca,
estrelas reunidas, fogo na mata, sol no mar,
mas que essa luz basta, a vida é bastante, que o tempo
é boa medida, irmãos, vivamos o tempo.

A doença não me intimide, que ela não possa
chegar até aquele ponto do homem onde tudo se explica.
Uma parte de mim sofre, outra pede amor,
outra viaja, outra discute, uma última trabalha,
sou todas as comunicações, como posso ser triste?

A tristeza não me liquide, mas venha também
na noite de chuva, na estrada lamacenta, no bar fechando-se,
que lute lealmente com sua presa,
e reconheça o dia entrando em explosões de confiança, esquecimento, amor,
ao fim da batalha perdida.

Este tempo, e não outro, sature a sala, banhe os livros,
nos bolsos, nos pratos se insinue: com sórdido ou potente clarão.
E todo o mell dos domingos se tire;
o diamante dos sábados, a rosa
de terça, a luz de quinta, a mágica
de horas matinais, que nós mesmos elegemos
para nossa pessoal despesa, essa parte secreta
de cada um de nós, no tempo.

E que a hora esperada não seja vil, manchada de medo,
submissão ou cálculo. Bem sei, um elemento de dor
rói sua base. Será rígida, sinistra, deserta,
mas não a quero negando as outras horas nem as palavras
ditas antes com voz firme, os pensamentos
maduramente pensados, os atos
que atrás de si deixaram situações.
Que o riso sem boca não a aterrorize,
e a sombra da cama calcária não a encha de súplicas,
dedos torcidos, lívido
suor de remorso.

E a matéria se veja acabar: adeus composição
que um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade.
Adeus, minha presença, meu olhar e minas veias grossas,
meus sulcos no travesseiro, minha sombra no muro,
sinal meu no rosto, olhos míopes, objetos de uso pessoal, idéia de justiça, revolta e sono, adeus,
vida aos outros legada.

(Carlos Drummond de Andrade)

Tim-tim por tim-tim (na voz de João Gilberto)

Você tem que dar, tem que dar
O que prometeu meu bem
Mande o meu anel que de volta
Eu lhe mando o seu também
Mande a carta em que eu dizia
O amor não tem fim
Que eu lhe mando outra explicando tim tim por tim tim

Você tem que devolver
O que era meu, bem meu
Mande meu retrato e ponha outro em seu lugar
Morreu um rei, salve o rei que vai chegar
Não sei sofrer, não sei chorar
Eu sei me conformar

(Haroldo Barbosa e Geraldo Jacques)

Beldade, beldade

Quando iria tê-la nos braços?
Moça bonita, de testa altiva e olhar pensativo,
Circunspecta e tristonha como eu.
Por que nunca reparastes em sua volta.
Nunca estavas nas festas do clube!
E a cada dia, a cada manhã,
Mais encantadora se tornava.
E linda e enigmática passavas.
Algumas vezes olhou-me e pareceu cumprimentar-me.
Na verdade, nunca notara a minha presença.
Parecia não ter ninguém, como eu.
Apaixonado andava.
E a moça passando, lindamente passando,
Indiferente.

E a moça foi ficando monótona,
Arrebatadora e cansativa,
Tediosa, romântica e chata,
No seu encanto, na sua tristeza,
Passando, passando.

(José Carlos Berbert da Silva)

domingo, 15 de junho de 2008

Valei-me!


Festa da Igreja é boa
Sempre tem umas freirinhas
Saiote folgado e crucifixo entre os seios
Comem maçã do amor
Enquanto olham por debaixo dos óculos
O pinto dos homens de bem

Tem o vinho dos padres
Mais doce que algodão doce
Desce à rodo na sacristia
As autoridades e sacerdotes se embebedam
E as fofoquinhas começam a surgir
Política, dinheiro, putaria

Tem as hóstias do Senhor
Confeccionadas no mais puro requinte
Não tem gosto de nada
Mas é louca a idéia de estar comendo o corpo de Cristo
E todo mundo viaja nessa onda
Fazem fila e a porra

As beatas são um caso à parte
Donas da Casa Paroquial, promovem a organização
Correm atrás de recursos (que piada!)
Dão atenção aos interessados que lá aparecem
Tudo isso de graça, em nome da fé
Deus tá vendo!

Não posso esquecer dos pedintes
O povinho acostumado a pedir
Ao verem os preparativos na Sé
Sentam-se na entrada da mesma
Com seus paninhos de bunda e cara de cream-cracker
Esmolando e amolando a Aristocracia e o Clero
Oh raça!

E tem o cachorro, claro
Anda olhando as mãos das pessoas
Fitando as migalhas e sobras
Deve ser descendente de cães europeus da idade média
Testemunhas oculares dos banquetes e orgias
Eles ficam prum lado e pro outro
Passando fome e recebendo enxoto

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Foxy lady


Humor negro
Quando digo que vou gozar
Corre aos risos
Tenho que pegar
Jogar no sofá
Passar um sermão
Colado na boca
Abafar seus gemidos

Amor e castigo
Passado o primeiro tempo
Volta pra atiçar
Começa no psiu
Depois são indecências
Mordo a bandida
Roçamos as pernas
Pelados na escada

Meia noite
Nos beijamos enfastiados
Entre finos agrados
Pergunto se me ama
Dá um tapa na cara
Desce as escadas
Grita meu nome
Resposta errada...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Azuis


Para o que escrevo não há tradução
Faço poemas

Noutras línguas
Faltarão alegorias e metáforas
Para representar meus recheios
A poética miscigenação
As dores do meu Centro Histórico
O vapor do abará recém-cortado
As gírias, os assobios, os pitacos
Os sentimentos de baiano quebrado
Quem saberá traduzir?!

Além do mais
Escrevo para mim
Para o meu deleite
Devoro o tempo sobre as palavras
Sobre minhas angústias intermináveis
Eu
Homem da mata
Enclausurado numa sala fria
Enquanto a vida poliniza sua energia
Enquanto poderia estar na França
Vestido de palhaço
Brincando com uma garotinha no metrô
Ou em Ketu
No terreiro, embaixo da árvore
Aprendendo com os mais velhos
Tudo sobre os orixás
E como se tornar um filho de Xangô

Para o que faço não há tradução
Então preste atenção
O resto do mundo nunca me lerá
Somente nós
Sentados na frente destas telas
Sentindo a mesma angústia
Nós
Pessoas da mata
Desenvolvendo síndrome do pânico
Caspa, obesidade, maus hábitos
Enquanto a vida poliniza sua energia
Enquanto poderíamos estar nos amando
Transando no meio da rua
Levando um pouco de satisfação sexual
Ou recitando poemas do Pessoa
Poemas ridículos de amor
Para essa sociedade de números e perdas

Ninguém traduzirá o que sinto agora
Neste instante
Sinto algo que nem eu sei traduzir
Meu peito se arrepia
Minha cabeça gira
Minhas mãos suam
Preciso escrever
Preciso sair desta sala
Mas não quero parar de escrever
Estou rendido a este antigo hábito

Preciso de asas
Grandes como num sonho
Voaria descansado
As mãos livres
Os olhos encarando a paisagem
Escreveria cada sensação do vôo
Os respingos das nuvens
A companhia dos pássaros
O medo de ser atingido por um raio
Escreveria tudo
Mas me faltam asas
Mas tenho a escrita

terça-feira, 10 de junho de 2008

Léo (Milton e Chico)

Um pé na soleira e um pé na calçada, um pião
Um passo na estrada e um pulo no mato
Um pedaço de pau
Um pé de sapato e um pé de moleque
Léo

Um pé de moleque e um rabo de saia, um serão
As sombras da praia e o sonho na esteira
Uma alucinação
Uma companheira e um filho no mundo
Léo

Um filho no mundo e um mundo virado, um irmão
Um livro, um recado, uma eterna viagem
A mala de mão
A cara, a coragem e um plano de vôo
Léo

Um plano de vôo e um segredo na boca, um ideal
Um bicho na toca e o perigo por perto
Uma pedra, um punhal
Um olho desperto e um olho vazado
Léo

Um olho vazado e um tempo de guerra, um paiol
Um nome na serra e um nome no muro
A quebrada do sol
Um tiro no escuro e um corpo na lama
Léo

Um nome na lama e um silêncio profundo, um pião
Um filho no mundo e uma atiradeira
Um pedaço de pau
Um pé na soleira e um pé na calçada

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Amazona


Meu programa é te filmar
É te ver fumar cigarro
Cara de santa enquanto traga
Cara de ânsia enquanto serve a cerveja
O modo de limpar o canto da boca
Sugere estar dando um selinho
Você me invoca

O que te faz tão vadia?
Seria a distância?
Pode ser minha antropofagia
A mania de comer com os olhos
Achando néctar na rua suja
Entretanto
Tua saiazinha te entrega
Tem um corte sacana
Imagino tua penteadeira
As coisas que traz na bolsa
Teus dilemas
Por ser uma morena loira

Teu celular toca
Precisava desta deixa
Cai na risada e o bar é todo teu
Não bastava eu
Morena loira ardilosa
É do tipo que não fecha a porta
Deixa a braguilha aberta
Usa sutiã sem alça
E costuma sair sem calcinha

Aonde vou te encontro
Sempre só
Fumando
Bebendo
Rindo
Falando alto
Em breve faremos um estudo etnográfico
Me dirá coisas que nem imagino

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Ao Mestre


Tua estátua não é estática
É superstição que se move depressa
É som de telefone, grito de vizinha, estalar de palmas
É reclame da massa enfurecida, proletários indignados
É sinal de fumaça, de 3ª guerra, de moléstia grave
Não faz sombra, é a total incerteza
Indefinição, intranqüilidade, insorte

Tua estátua não murmura, não sussurra, não treme
Rejeita consolo, colo, carinho, carícia
Tampouco geme, chora, resmunga, pede
Tem a explosão da queda de todas as cristaleiras
Recorta o homem em inúmeros dizeres
É sanguinária por amor e devoção à vida
Adverte políticos, marca jovens, sintetiza sentimentos

Tua estátua tem a propriedade de chamar
De ligar o questionamento, a busca, localiza
Perquirir a devastadora fome, a triste miséria
Revela sensações bravias e dores antepassadas
Percorre o franzir da testa, as manchas das mãos
Puxa o rabo das cachorras das madames
Cria uma bienal em muitas cabeças

Tua antiestátua é uma boa puta
Muito mais, mas muito mais
Que o sorriso na face de um homem calado

Silêncio


Em suas entrelinhas
Pousam diversas dúvidas
Circulam inúmeras respostas
Além de mil palavras
Muitos mais de mil livros

O humor de Chaplin
As pinturas rupestres
Os gestos do recém-nascido
O olhar dos pais
A boca

Pode agredir mais que um chute
Pesar além das costas
Cortar tanto quanto a cerra
Calar como uma anestesia

O silêncio diz
Consente
Menospreza
...

Escrevo-o
Porque não me calo
Eu o castigo

De sentir

Meu amar é assim
Ver e gostar e querer e amar sem fim
Num piscar de luz
Num ultrapassar de carro
Num abrir de sorriso
Assim é meu amar
Com facilidade (sem dificuldades)
Sem impor condições
Sem medir tamanho
Com força e brilho

Este amar acanhado e menino
Contenta-se apenas com sua boca sorrindo
Fácil e molhada e desejosamente
Feliz como num anúncio
Amar humilde
Mesmo sendo para outro
Ou sendo num retrato
Ou num relance esparso

Mas para mim
Homem de amores sem fim
Sua boca foi o mero princípio
Sem dor, sem doçura
Tornou-se uma insana loucura
Estampada nos muros, nos folhetos
Nas faces, nos postes
É algo que corre a galope
Respira ofegante em meus ouvidos
É sombra dum alvoroço
Fome com nome e sem salvação

Pois não me ama
Não me quer
Não me gosta
Sequer me vê