quarta-feira, 14 de janeiro de 2009


(foto: Mariva Tomé)
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Meus eus, cansados de mim,
Acertam um encontro

Desejam conversar, auscultar os pensamentos
E entender por que o ser de fora
Não corresponde aos eus de dentro
.
E resolvem formar uma roda
Voltam-se para o centro, apesar de um eu voltar-se para fora
Mas antes de iniciarem a discussão
O Anarquista implica: Eu me oponho ao referendo!
.
“Bem mal começamos e apareça a pomba da discórdia!”
Observa o Nojento, enquanto outros indagam:
Não é possível...
Assim não dá...
Quem ele pensa que é...

As vozes se intercalam
A palestra ganha ares de zona de guerra – reunião de condomínio
Ninguém pede silêncio, nem mesmo aparentam quer
Apenas um eu assiste à turba calado

Você pra cá, você pra lá...
E velhas amizades afloram rapidamente
Ao passo que inimizades agudas logo se aprofundam
E nisso a roda já está desfeita
E já se vão formando pequenos grupos

Minhas meninas, coitadas, correm para um canto
Meus guris irrequietos dão as mãos
Um eu adormece em resignação
O Velho descansa a cabeça sobre a bengala
Seus olhos vidrados refletem, tão somente, amores encarcerados
...

Foi-se o clima cordial, o desejo de auto-conhecimento
Sobram os vários blocos ouriçados contra-atacando
Num inassistível jogo de repetidas palavras
Que não tem fim, que não tem tempo
.
Então
Numa dada hora
Entra o Palhaço - olhos de melancia
Chega decidido a acabar com o furdunso
E distribui a cada eu um balão
E senta no colo daquele que odeia intimidade

Enquanto saboreiam seus balões coloridos
E alisam e trocam e furam e amarram e furtam
Vê-se flutuar um certo eu por detrás dos meus
Que sobe e sobe e fica olhando-os admirados
.
E o Capitalista imediatamente confabula: quem é este que voa sozinho?
Mas que pergunta boba – retruca o Palhaço
Aquele eu é o Poeta, como não o reconhece?
Deixe que vá tranquilo, está sempre a voar e a ver
O que nenhum de nós compreenderia em séculos

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