Moram nessa casa comum, térrea, bem dividida, n.º08. Vêm não sei de onde, são crianças enjeitadas, sem aquele que as crie. Cansadas de vagar pelas ruas, fogem da mendicância. Vão entrando, sem meias palavras, sem pedir licença, em busca de um teto. Adaptam-se sem grandes dificuldades, sabem que aquele lugar é o único apto a aceitá-las. Também, a única regra é se divertir e só existe uma brincadeira.
Quem as governa é o Senhor, homem já idoso, ares de Sábio Chinês. Em sua aparência não existe nada de peculiar, só lhe faltam os cabelos do alto da cabeça. Sempre tranqüilo, não há com que se aborrecer, são somente crianças para um lado e para o outro, rindo, correndo, traquinando. Aqui elas não comem, não dormem, não choram. Ele observa a tudo passivo, não criou as sub-regras. O movimento o interessa, mas é absolutamente incapaz de demonstrar qualquer reação, certamente interferiria. Um olhar mais curioso e a meninada imaginaria mil coisas. Mantém sua neutralidade total.
Alguns novatos esboçam olhar assustado ao se depararem com seus novos companheiros de nicho, inteiramente compreensível. Bastam poucos segundos para entenderem que ali não há lugar para trouxas, cara de durão é o primeiro passo, fixar respeito e manter-se inteiro, apenas somar. A ordem é entrar na dança.
Certos meninos são impressionantes, carregam inúmeros pintos no rosto, quase não se vê seus olhos, escondidos que ficam sob os escrotos. Pura necessidade de intimidação, e funciona. Certas meninas, ao invés de adornarem-se com várias camadas de nádegas e incontáveis mamilos, preferem a aparência de tábua de passar. Já outros preferem possuir 7 dedos em cada mão, outros têm vários braços, olhos nos buracos das orelhas e na nuca, dentes nas pontas dos dedos, duas pernas no alto das costas e por aí vai.
A iniciação é nefanda. Se menino, corta-lhe logo os bagos, a menina perde seu nariz. A primeira vez serve como ensinamento. Imagine uma centena de abutres sobre um recém-nascido. Dão tempo para que mature, desse modo a brincadeira fica mais apetitosa.
Os molengas, os frouxos, os disléxicos, ficam apenas com as tripas, afinal de que valem as tripas se não há comida e ainda por cima fedem pra caralho. Esses perambulam sem nada, um esqueleto sem norte, sem morte, implorando um naco de carne que os ponha novamente na brincadeira. Em vão, ”quem tem pena é galinha”. Esse é o destino de poucos. Os mais espertos dentre eles apanham baratas, deitam-se na grama a espera de pássaros que venham bicar-lhes, para assim irem montando novos tecidos, verdadeiros lutadores. Devo ressaltar que ninguém os aborrece, são feios demais e não causam desejo.
O ataque é em bando, trio, dupla ou não. Depende de você associar-se ou agir sozinho, isso vai muito de pessoa para pessoa. De certo que os bandos levam vantagem, no entanto o problema surge na hora de repartir os pedaços. A maioria age em dupla, um distrai enquanto o outro chega pelas costas, imobiliza, amarra. A algazarra leva de uma fração de segundo a um dia inteiro, depende da reação do infante. Tem coisa melhor que perturbar o fraco?
Despedaçam com qualquer coisa, até com as unhas, especialmente quando é hora de arrancar um olho. Creio que assim atingem um êxtase maior, seria como retirar as sementes do tomate. Plof! Não pense que há brigas, trocas de socos. Trata-se de um divertidíssimo pega-pega, esquisito para o grosso da população, cotidiano para os filhos do Senhor.
Nessa brincadeira meninas e meninos se confundem um bocado, não dá para saber, em determinados casos, na frente do quê se está. É peito com pinto com clitóris com buço com barba, um pandemônio, etimologicamente falando. Esses geralmente são os menos vaidosos, odeiam pares, cada coisa num canto. São mosaicos vivos, quimeras, cada coisa de um jeito diferente.
Por mais incrível que pareça, o cérebro não vale de nada. Usam-no apenas como enfeite, motivo de gargalhadas, arrelias e futebol. Seria plausível que determinados guris possuíssem vários cérebros para assim serem capazes de adquirir mais orgãos, mais força, só que não é assim que funciona na Casa. Lá ser muito inteligente só traz prejuízo. Mais de um cérebro é sinal de desonestidade, punível com a desossa.
A noite é uma loucura. É tanta, que nas alvoradas tem-se a impressão que a Casa esta repleta de novos moradores, há um troca-troca acentuadíssimo, quem anoitece assim acorda assado. Ninguém é de ninguém, quando é lua cheia então... A molecada ri de se embolar com as mudanças que presenciam. Michael Jackson fica no chulé.
Desculpe-me a demora em dizer outra regra, ou melhor, o senso comum desse grupo: não pode atacar o Senhor. Aonde Ele vai a brincadeira deve cessar, talvez esse seja o único instante em que a brincadeira muda para estátua! Ele caminha, paira, nunca encara as crianças, parece não vê-las, no entanto elas o veneram. Segundo relatos, um garoto o espetou uma vez, nunca mais foi visto. Isto me parece lenda, um blefe, tipo a Ressurreição de Cristo.
As demais crianças têm enorme desprezo pelos pivetes do Senhor. Algo completamente explicável e inteligível nos dias de hoje e de sempre. Elas sentem é muito medo, nojo do pessoal. Crianças comuns são esponjas secas, ainda mais quando seus pais são pedras-pomes. Nesse itinerário, existe um verdadeiro apartheid! Hahahahaha, os guris estão pouco se fudendo. Gostam de encarar os filhinhos de papai, intimidá-los, ensinar-lhes desde cedo que a força comanda o mundo.
A rotina da Casa 08 é estranha, devo concordar, todavia nada difere dos outros lares. A vida é assim, segue normalmente, cada qual a fazendo do jeito que pode. Vai para lá quem quer. Quem preferir pode construir sua própria casa, voltar para a tristeza das marquises, matar-se, vaqueijar outro canto. Ao que parece, aquele que entra na Casa não consegue deixar a brincadeira nunca mais. É demasiadamente gostosa. Misturar-se, transmutar-se como num processo químico. Poderá até sair, quem sabe? Com certeza levará consigo partes de outras pessoas.
Quem as governa é o Senhor, homem já idoso, ares de Sábio Chinês. Em sua aparência não existe nada de peculiar, só lhe faltam os cabelos do alto da cabeça. Sempre tranqüilo, não há com que se aborrecer, são somente crianças para um lado e para o outro, rindo, correndo, traquinando. Aqui elas não comem, não dormem, não choram. Ele observa a tudo passivo, não criou as sub-regras. O movimento o interessa, mas é absolutamente incapaz de demonstrar qualquer reação, certamente interferiria. Um olhar mais curioso e a meninada imaginaria mil coisas. Mantém sua neutralidade total.
Alguns novatos esboçam olhar assustado ao se depararem com seus novos companheiros de nicho, inteiramente compreensível. Bastam poucos segundos para entenderem que ali não há lugar para trouxas, cara de durão é o primeiro passo, fixar respeito e manter-se inteiro, apenas somar. A ordem é entrar na dança.
Certos meninos são impressionantes, carregam inúmeros pintos no rosto, quase não se vê seus olhos, escondidos que ficam sob os escrotos. Pura necessidade de intimidação, e funciona. Certas meninas, ao invés de adornarem-se com várias camadas de nádegas e incontáveis mamilos, preferem a aparência de tábua de passar. Já outros preferem possuir 7 dedos em cada mão, outros têm vários braços, olhos nos buracos das orelhas e na nuca, dentes nas pontas dos dedos, duas pernas no alto das costas e por aí vai.
A iniciação é nefanda. Se menino, corta-lhe logo os bagos, a menina perde seu nariz. A primeira vez serve como ensinamento. Imagine uma centena de abutres sobre um recém-nascido. Dão tempo para que mature, desse modo a brincadeira fica mais apetitosa.
Os molengas, os frouxos, os disléxicos, ficam apenas com as tripas, afinal de que valem as tripas se não há comida e ainda por cima fedem pra caralho. Esses perambulam sem nada, um esqueleto sem norte, sem morte, implorando um naco de carne que os ponha novamente na brincadeira. Em vão, ”quem tem pena é galinha”. Esse é o destino de poucos. Os mais espertos dentre eles apanham baratas, deitam-se na grama a espera de pássaros que venham bicar-lhes, para assim irem montando novos tecidos, verdadeiros lutadores. Devo ressaltar que ninguém os aborrece, são feios demais e não causam desejo.
O ataque é em bando, trio, dupla ou não. Depende de você associar-se ou agir sozinho, isso vai muito de pessoa para pessoa. De certo que os bandos levam vantagem, no entanto o problema surge na hora de repartir os pedaços. A maioria age em dupla, um distrai enquanto o outro chega pelas costas, imobiliza, amarra. A algazarra leva de uma fração de segundo a um dia inteiro, depende da reação do infante. Tem coisa melhor que perturbar o fraco?
Despedaçam com qualquer coisa, até com as unhas, especialmente quando é hora de arrancar um olho. Creio que assim atingem um êxtase maior, seria como retirar as sementes do tomate. Plof! Não pense que há brigas, trocas de socos. Trata-se de um divertidíssimo pega-pega, esquisito para o grosso da população, cotidiano para os filhos do Senhor.
Nessa brincadeira meninas e meninos se confundem um bocado, não dá para saber, em determinados casos, na frente do quê se está. É peito com pinto com clitóris com buço com barba, um pandemônio, etimologicamente falando. Esses geralmente são os menos vaidosos, odeiam pares, cada coisa num canto. São mosaicos vivos, quimeras, cada coisa de um jeito diferente.
Por mais incrível que pareça, o cérebro não vale de nada. Usam-no apenas como enfeite, motivo de gargalhadas, arrelias e futebol. Seria plausível que determinados guris possuíssem vários cérebros para assim serem capazes de adquirir mais orgãos, mais força, só que não é assim que funciona na Casa. Lá ser muito inteligente só traz prejuízo. Mais de um cérebro é sinal de desonestidade, punível com a desossa.
A noite é uma loucura. É tanta, que nas alvoradas tem-se a impressão que a Casa esta repleta de novos moradores, há um troca-troca acentuadíssimo, quem anoitece assim acorda assado. Ninguém é de ninguém, quando é lua cheia então... A molecada ri de se embolar com as mudanças que presenciam. Michael Jackson fica no chulé.
Desculpe-me a demora em dizer outra regra, ou melhor, o senso comum desse grupo: não pode atacar o Senhor. Aonde Ele vai a brincadeira deve cessar, talvez esse seja o único instante em que a brincadeira muda para estátua! Ele caminha, paira, nunca encara as crianças, parece não vê-las, no entanto elas o veneram. Segundo relatos, um garoto o espetou uma vez, nunca mais foi visto. Isto me parece lenda, um blefe, tipo a Ressurreição de Cristo.
As demais crianças têm enorme desprezo pelos pivetes do Senhor. Algo completamente explicável e inteligível nos dias de hoje e de sempre. Elas sentem é muito medo, nojo do pessoal. Crianças comuns são esponjas secas, ainda mais quando seus pais são pedras-pomes. Nesse itinerário, existe um verdadeiro apartheid! Hahahahaha, os guris estão pouco se fudendo. Gostam de encarar os filhinhos de papai, intimidá-los, ensinar-lhes desde cedo que a força comanda o mundo.
A rotina da Casa 08 é estranha, devo concordar, todavia nada difere dos outros lares. A vida é assim, segue normalmente, cada qual a fazendo do jeito que pode. Vai para lá quem quer. Quem preferir pode construir sua própria casa, voltar para a tristeza das marquises, matar-se, vaqueijar outro canto. Ao que parece, aquele que entra na Casa não consegue deixar a brincadeira nunca mais. É demasiadamente gostosa. Misturar-se, transmutar-se como num processo químico. Poderá até sair, quem sabe? Com certeza levará consigo partes de outras pessoas.
Um comentário:
Muuuito bom jon!
Tenho que ler mais de uma vez pra fazer um comentario, aguarde!
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