sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

arte de viver




Os loucos são poetas por natureza
Homens que vivem num plano fantástico
Têm sua realidade como propício imaginário
Não procuram inspiração noutras cabeças

Seu senso é pleno, é livre sua pena
Não respondem às críticas, aos insensíveis
Escrevem esperando apenas contento
Retratam a existência de seus sentimentos

Às vezes o sapo coaxa alto
Noutras Napoleão declara guerra
O suicida observa com atenção o abismo
A importância está em mudar de tema

Loucos são poetas, não imagino melhor profissão
Mas neste país de loucos de merda
é preferível trancá-los em manicômios
Sem demonstrar-lhes nenhuma compaixão

Hospiciam uma vida perdida
Laços enevoados pelos remédios do tempo
Pergunte-lhes o que é a vida
E a resposta caberá num alento

Tive o prazer de também ser louco
Pude aprender a endoidecer em versos
Hoje, curado, espalho essa mensagem
Loucura é não frasear poemas

Wando e suas calcinhas


não há como esquecermos um do outro
deixar destas falas brutas sussurradas
não pecamos pelo sentimento de culpa que não temos
jamais negaremos as delícias dessa humilde paixão
não há jeito de dizermos não

Preciso rasgar tuas vestis com a boca molhada
tirar de ti o gesto mais camélico da noite
colocar minhas mãos por baixo do teu dorso
beijar-nus o suor que enlaça o prazer
quero viver essa necessidade de cura

Temos que nos entender
unhando nossas costas no chuveiro
amando nos amar um dia inteiro
dormindo as sete horas da manhã

Esqueça a saudade
estaremos sempre juntos
amantes no pensamento e na cama

carinho doce


leve massa de ar
chuva mansa
traz consigo um cheiro de alto-mar,
sal e marisco
vem friiiia, batendo
cai a gota, passa o vento
outra gota
sobe o odor de mato
o solo sedento pede mais
a vida clama sua força
de repente
precipita uma cachoeira amazônica
de céu, de nuvem corrente
nascem riachos rasteiros
encharca de prazer e frescor
os clarões enaltecem o milagre
pura sensação de paz e plenitude
a fauna ecoa seu canto
água pulsante
terra fluida

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

copo d'água


vocês eu posso chamar de amigos
haja vista as conversas que tecemos
sem esboços da mente para a boca
espontâneas como um copo d’água

nisto fundamento o equilíbrio do planeta
numa roda de bons companheiros e copos
já que o homem calado não passa de um semi-deus
e a conversa é a melhor forma de passar o tempo

assim nos instruímos e fulminamos problemas
fraternizando idéias ideais ídolos indagações
prazerosos feito pássaros se banhando na areia fina
na cumplicidade que poucos irmãos possuem

faces rejuvenescentes em intermináveis risadas
o incomprável o intangível carregamos aceso no peito
quase certos da simples maneira do viver
mãos estendidas para a amizade

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O muro


Um livro me comeu
Enjaulou-me num conto do Pós-Guerra
Em plena Ditadura Militar Espanhola
Fui seqüestrado, levado ao Centro Inquisitivo
Espancado, difamado, intimidado, despido
Largado no porão frio com três estranhos
Uma pilha de carvão nos fazia companhia
O tempo corria por um buraco no teto
Enquanto aceitava a morte o outro se urinava
Medo das balas dilacerando sua carne trêmula
Duas sentinelas amolavam o dedo no gatilho
O frio doía meus ossos, no entanto eu suava
Imaginava minha história, a vivida e a idealizada
Colocaram-me contra a parede, pediam o endereço
Com a vida em jogo, entreguei o esconderijo improvável
Fuzilaram meu amigo no cemitério, onde havia indicado
A sorte me sorriu com seus dentes negros
Retribui-lhe numa gargalhada que tirou lágrimas
Culpar-me seria admitir o impossível, impossível
Ganhei a liberdade enquanto conversava no pátio

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Nada vezes nada



Escrever sobre o que,
se nada me vem à mente?
Seria o nada um tema recorrente?
Nunca escrevi de cabeça fazia.
Será hoje o dia!

Meu computador em nada me inspira
As conversas ao meu redor causam-me surdez
Um som de telefone estridente/alumínio
A gota de suor que escorre nas minhas costas
É isso, falarei sobre o calor que sinto.

“Que calor é esse?”
Escuto essa frase todo dia.
Não falo sobre o calor que umedece a palma das mãos
Refiro-me àquele que inunda os poros
Esfria a pele cálida do meio-dia
Dá vida ao mundo, mas que nada!

Prefiro versar sobre o nada do Brasil
Aquele que mora nas instituições de ensino
Usado nos discursos políticos
Nada de prisão para os “cabeças”
O repetido incessantemente nos telejornais
Consumido viciosamente por quem o sente
Utilizado na saúde pública
Distribuído aos esfomeados
O que resta da mata atlântica
Presente nas resposta do grande Presidente
Reivindicado por parte da sociedade
Equipamento, treinamento, salário para a polícia
Serviços de boa qualidade para a população
Improbidade administrativa não falta
Descaso com os povos indígenas
Empregado no combate ao desemprego
Nula imparcialidade do Poder Judiciário
Tortura, grupos de extermínio, favelas
Entra Presidente, sai Presidente e nada de mudança!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Malagueta nela - Pagodões do João




Vem dançar comigo a dança da malagueta
Sopra, joga água, abana essa nega
Vem dançar comigo a dança da malagueta
Sopra, joga água, abana essa nega

No verão da Bahia
Comer pimenta é uma loucura
O calor sobe pra mente
A gente não se segura

E se a mulher é fogosa
É que a coisa se atrapalha
Vai cair na mandioca
Pra que a língua não arda

Mas se o Sarapa for pesado
A nega fica na bruxa
Vai sair correndo pelada
E se jogar na praia de aleluia

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

IRDC


Desde quando Jesus intitulou-nos filhos de Deus
Surgiram Sés em todos os confins desbravados
A fim de vender a palavra, a remissão dos pecados
Entalhando em nós dogmas, como se fossemos camafeus

O Catolicismo fez da Bíblia Sagrada um Código Penal
Fonte de riquezas, mitos, costumes, deveres e moral
E de tanto pregar os fardos que o homem carrega
Construiu um universo de mentiras, que só o herege abnega

Os Servis aprenderam a negociar as indulgências
Deram origem a diversas Seitas a partir da mesma religião
Continuam a catequizar indígenas e imputar-lhes penitências
Destruindo a fé milenar em nome do Evangelho e da $alvação

Toda essa torpeza enoja os honestos e entristece os impotentes
Deus terá misericórdia dessas almas pecadoras ao quadrado?
Mais certo confiar na atitude dos poucos luminescentes
Fundemos a Igreja pela Razão de Deus ter nos Criado!

Abstrata




te espero num sonho
nós dois em qualquer paisagem
pairando no imaginário
amor altamente indescritível

acordarei vários vezes a noite
porejando de êxtase
pronto para mais um cochilo
até que o sol te leve

durma comigo de tarde
mais tarde
tarde sua ida
dá de noite quando te beijo

faço da ansiedade palavras
não consigo dormir
soa paradoxal, mas é a realidade
você me tira o sono

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Destinada aos espíritos malditos ou sem cura


E sob o pé no deserto um galho seco
e de tão aberta a palma da mão
por não haver uma gota de água
rego de sangue a sombra no chão

quebro cacos colados de um saveiro
o vento leva o pó ao seio da razão
miragens me cercam por inteiro
cavalgo a calda de um escorpião

praguejo contra a palavra do meu desejo
um carrossel de suor embaçou-me a visão
lambo a areia num puro lampejo
para cada loucura há uma explicação

de joelhos aceito que o sol me seque
trincar a pele, serei um lagarto rastejante
do que me vale um oásis ou um pileque
se carrego a dor dos demais viajantes

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

À esmo




Sou o poeta do acaso
Por acaso intuo, levo à mão
Qualquer que seja o fato
Numa palavra, frase, emoção.

Tudo me importa muito
Nada me toca tanto
Escrevo sobre coisas que não sei,
Quando brota um laço de encanto.

Senti o instante de começar
Versando a impressão que alumio
E ao acaso outra vez coube mostrar
Os limites deste singelo pavio.

Deuses mirins


Moram nessa casa comum, térrea, bem dividida, n.º08. Vêm não sei de onde, são crianças enjeitadas, sem aquele que as crie. Cansadas de vagar pelas ruas, fogem da mendicância. Vão entrando, sem meias palavras, sem pedir licença, em busca de um teto. Adaptam-se sem grandes dificuldades, sabem que aquele lugar é o único apto a aceitá-las. Também, a única regra é se divertir e só existe uma brincadeira.
Quem as governa é o Senhor, homem já idoso, ares de Sábio Chinês. Em sua aparência não existe nada de peculiar, só lhe faltam os cabelos do alto da cabeça. Sempre tranqüilo, não há com que se aborrecer, são somente crianças para um lado e para o outro, rindo, correndo, traquinando. Aqui elas não comem, não dormem, não choram. Ele observa a tudo passivo, não criou as sub-regras. O movimento o interessa, mas é absolutamente incapaz de demonstrar qualquer reação, certamente interferiria. Um olhar mais curioso e a meninada imaginaria mil coisas. Mantém sua neutralidade total.
Alguns novatos esboçam olhar assustado ao se depararem com seus novos companheiros de nicho, inteiramente compreensível. Bastam poucos segundos para entenderem que ali não há lugar para trouxas, cara de durão é o primeiro passo, fixar respeito e manter-se inteiro, apenas somar. A ordem é entrar na dança.
Certos meninos são impressionantes, carregam inúmeros pintos no rosto, quase não se vê seus olhos, escondidos que ficam sob os escrotos. Pura necessidade de intimidação, e funciona. Certas meninas, ao invés de adornarem-se com várias camadas de nádegas e incontáveis mamilos, preferem a aparência de tábua de passar. Já outros preferem possuir 7 dedos em cada mão, outros têm vários braços, olhos nos buracos das orelhas e na nuca, dentes nas pontas dos dedos, duas pernas no alto das costas e por aí vai.
A iniciação é nefanda. Se menino, corta-lhe logo os bagos, a menina perde seu nariz. A primeira vez serve como ensinamento. Imagine uma centena de abutres sobre um recém-nascido. Dão tempo para que mature, desse modo a brincadeira fica mais apetitosa.
Os molengas, os frouxos, os disléxicos, ficam apenas com as tripas, afinal de que valem as tripas se não há comida e ainda por cima fedem pra caralho. Esses perambulam sem nada, um esqueleto sem norte, sem morte, implorando um naco de carne que os ponha novamente na brincadeira. Em vão, ”quem tem pena é galinha”. Esse é o destino de poucos. Os mais espertos dentre eles apanham baratas, deitam-se na grama a espera de pássaros que venham bicar-lhes, para assim irem montando novos tecidos, verdadeiros lutadores. Devo ressaltar que ninguém os aborrece, são feios demais e não causam desejo.
O ataque é em bando, trio, dupla ou não. Depende de você associar-se ou agir sozinho, isso vai muito de pessoa para pessoa. De certo que os bandos levam vantagem, no entanto o problema surge na hora de repartir os pedaços. A maioria age em dupla, um distrai enquanto o outro chega pelas costas, imobiliza, amarra. A algazarra leva de uma fração de segundo a um dia inteiro, depende da reação do infante. Tem coisa melhor que perturbar o fraco?
Despedaçam com qualquer coisa, até com as unhas, especialmente quando é hora de arrancar um olho. Creio que assim atingem um êxtase maior, seria como retirar as sementes do tomate. Plof! Não pense que há brigas, trocas de socos. Trata-se de um divertidíssimo pega-pega, esquisito para o grosso da população, cotidiano para os filhos do Senhor.
Nessa brincadeira meninas e meninos se confundem um bocado, não dá para saber, em determinados casos, na frente do quê se está. É peito com pinto com clitóris com buço com barba, um pandemônio, etimologicamente falando. Esses geralmente são os menos vaidosos, odeiam pares, cada coisa num canto. São mosaicos vivos, quimeras, cada coisa de um jeito diferente.
Por mais incrível que pareça, o cérebro não vale de nada. Usam-no apenas como enfeite, motivo de gargalhadas, arrelias e futebol. Seria plausível que determinados guris possuíssem vários cérebros para assim serem capazes de adquirir mais orgãos, mais força, só que não é assim que funciona na Casa. Lá ser muito inteligente só traz prejuízo. Mais de um cérebro é sinal de desonestidade, punível com a desossa.
A noite é uma loucura. É tanta, que nas alvoradas tem-se a impressão que a Casa esta repleta de novos moradores, há um troca-troca acentuadíssimo, quem anoitece assim acorda assado. Ninguém é de ninguém, quando é lua cheia então... A molecada ri de se embolar com as mudanças que presenciam. Michael Jackson fica no chulé.
Desculpe-me a demora em dizer outra regra, ou melhor, o senso comum desse grupo: não pode atacar o Senhor. Aonde Ele vai a brincadeira deve cessar, talvez esse seja o único instante em que a brincadeira muda para estátua! Ele caminha, paira, nunca encara as crianças, parece não vê-las, no entanto elas o veneram. Segundo relatos, um garoto o espetou uma vez, nunca mais foi visto. Isto me parece lenda, um blefe, tipo a Ressurreição de Cristo.
As demais crianças têm enorme desprezo pelos pivetes do Senhor. Algo completamente explicável e inteligível nos dias de hoje e de sempre. Elas sentem é muito medo, nojo do pessoal. Crianças comuns são esponjas secas, ainda mais quando seus pais são pedras-pomes. Nesse itinerário, existe um verdadeiro apartheid! Hahahahaha, os guris estão pouco se fudendo. Gostam de encarar os filhinhos de papai, intimidá-los, ensinar-lhes desde cedo que a força comanda o mundo.
A rotina da Casa 08 é estranha, devo concordar, todavia nada difere dos outros lares. A vida é assim, segue normalmente, cada qual a fazendo do jeito que pode. Vai para lá quem quer. Quem preferir pode construir sua própria casa, voltar para a tristeza das marquises, matar-se, vaqueijar outro canto. Ao que parece, aquele que entra na Casa não consegue deixar a brincadeira nunca mais. É demasiadamente gostosa. Misturar-se, transmutar-se como num processo químico. Poderá até sair, quem sabe? Com certeza levará consigo partes de outras pessoas.